segunda-feira, 19 de março de 2012

VERLAINE


 A LUA BRANCA

Verlaine


A lua branca
luz sobre o bosque.
De cada ramo,
ouço uma voz
vem da folhagem:

Oh! bem-amada!

O lago reflete,
profundo espelho,
o vulto vago
daquele salgueiro
que uiva ao vento.

Sonhar é a hora...

Do espaço desce
uma entranhada
calma imprecisa
que do céu estrelado
a lua irisa.

A hora indecisa...

(Trad. livre de Rogel Samuel)


Tradução de Onestaldo de Pennafort




                                                             1

                    A lua branca
                    brilha  no bosque.
                    De ramo em ramo,
                    parte uma voz que
                    vem da ramada.



                    Oh! bem-amada!


                    Reflete o lago,
                    como um espelho,
                    o perfil vago
                    do êrmo salgueiro
                    que ao vento chora.


                    Sonhemos, é hora...


                    Como que desce
                    uma imprecisa
                    calma infinita
                    do firmamento
                    que a lua frisa.


                    É a hora indecisa...



Poemas escolhidos de Verlaine


Tradução de
Onestaldo de Pennafort





1

A lua branca
brilha  no bosque.
De ramo em ramo,
parte uma voz que
vem da ramada.



Oh! bem-amada!


Reflete o lago,
como um espelho,
o perfil vago
do êrmo salgueiro
que ao vento chora.


Sonhemos, é hora...


Como que desce
uma imprecisa
calma infinita
do firmamento
que a lua frisa.


É a hora indecisa...




A lua branca
luz sobre o bosque.
De cada ramo,
ouço uma voz
vem da folhagem:

Oh! bem-amada!

O lago reflete,
profundo espelho,
o vulto vago
daquele salgueiro
que uiva ao vento.

Sonhar é a hora...

Do espaço desce
uma entranhada
calma imprecisa
o céu estrelado
a lua irisa.

A hora indecisa...

(Trad. livre de Rogel Samuel)

   
   
   

2




Antes que apagues teu  brilho,
nívea estrela matutina,
(no tomilho
a codorniz trina, trina!)

   

volve ao poeta, cujo olhar
o amor cegou como um véu,
(com o dealbar,
sobe a cotovia ao céu!)

   

teu olhar, que se diria
banhado na luz da aurora,
(que alegria
vai  pelos trigais em fora!)

   

e leva o meu pensamento,
longe, além, lá, bem distante,
(com o relento
o feno ficou brilhante!)

   

no almo sonho em que não cessa
de se embalar o meu bem,
(mas depressa,
que o sol dourado já vem!).






   
   
   

3


   
   



AS CONCHAS

   

Cada concha, no interior
dessa gruta onde a gente se ama,
tem o seu especial sabor.

   

Uma, a púrpura tem da chama
roubada ao nosso coração,
quando o desejo nos inflama.

   

Finge esta a tua lassidão
se me vês, pálida e irritada,
a olhar-te cheio de intenção.

   

Nesta, a tua orelha é imitada
com graça; e aquela copiou
tua nuca rósea e torneada.

   

Uma, porém, me perturbou.


   
   
   

4






   
   
   



"Chove, de manso, na cidade" (Arthur Rimbaud)


   

Chora em meu coração
como chove  lá fora.
Porque esta lassidão
me invade o coração?

   

Oh! ruido bom da chuva
no chão e nos telhados!
Para uma alma viúva,
oh! o canto da chuva!

   

E chora sem razão
meu coração amargo.
Algum desgosto? - Não!
É um pranto sem razão.

   

E essa é a maior dor,
não saber bem por que,
sem ódio sem amor,
eu sinto tanta dor.

   



   
   
   
5


   
   
   






EM SURDINA

   

Calmo, na paz  que difunde
a sombra dos altos ramos,
que o nosso amor se aprofunde
neste silêncios em que estamos.

   

Coração, alma e sentidos
se confundam com estes ais
que exalam, enlanguescidos,
medronheiros e  pinhais.

   

Fecha  os olhos mansamente
e cruza as mãos sobre o seio.
Do teu coração dolente
afasta qualquer anseio.

   

Deixemo-nos enlevar
ao embalo desta brisa
que a teus pés, doce, a arrulhar,
a relva crestada frisa.

   

E quando a noite sombria
dos carvalhos for baixando,
o rouxinol a agonia
da nossa alma irá cantando.



   
   
   
6


   
   
   










CORTEJO

   

Vestido o mono de broçado,
vem sa1titando adiante da bela.
E, entre as mãos enluvadas,
ela amarfanha um lenço bordado.

   

De escarlate, um negrinho atrás
sustém-lhe a custo, soerguida,
a pesada cauda comprida,
muito atento às pregas que faz.

   

O momo os olhinhos demora
no alvo colo da sua dama,
rica opulência que reclama
o torso nu de um deus de outrora.

   

Põe-se o negro, às vêzes, a alçar
demais seu fardo suntuoso,
só para ver, o audacioso,
que ele à noite anda a sonhar.


   

E, indiferente a tais olhares,
ela vai pela escadaria
como insensível à ousadia
dos seus bichos familiares.



   
   
   
7
   
   
   












O céu azul sobre o telhado
repousa em calma.
Uma árvore sobre o telhado
balança a palma.

   

A voz de um sino mansamente
ressoa no ar.
Um passarinho mansamente
põe-se a cantar.

   

Meu Deus, meu Deus, esta é que é a vida
simples, tranqüila,
como o rumor suave de vida
que vem da vila.

   

-Tu que aí choras, que é que fizeste,
dize, em verdade,
tu que aí choras, que é que fizeste
da mocidade?




   
   
   
9


   
   
   















Oh! por causa de alguém, sem calma,
triste, triste estava minh'alma!

   

Jamais, jamais, me consolei,
mesmo depois que a abandonei!

   

E mesmo depois de a minh'alma
procurar longe dela a calma,

   

jamais, jamais, me consolei,
mesmo depois que a abandonei!

   

E meu coração, tão sensível,
diz à minh'alma: - É, pois, possível,

   

será possível, ele insiste
este exílio cruel e triste?

   

E a alma responde ao coração:
Sei lá porque esta ilusão

   

de estarmos perto, ainda que ausentes,
e, ainda que longe, tão presentes?


   
   
   
10


   
   
   











O ruido dos cafés; a lama das calçadas;
os plátanos pelo ar desfolhando as ramadas;
o ônibus, furacão de rodas e engrenagens,
enlameado, a ranger num rumor de ferragens
e girando o olho verde e rubro das lanternas;
os operários a caminho das tavernas,
com os cachimbos à boca a afrontarem os guardas;
paredes a ruir; telhados de mansardas;
sarjetas pelo chão resvaladiço e imundo, -
tal meu caminho, - mas com o paraíso ao fundo.



   
   
   
11


   
   
   












Quinze dias ainda e mais de seis semanas
já se foram! No ror das angústias humanas,
a angústia mais cruel é viver separado!

   

Trocam-se as expressões de um amor dedicado,
sempre evocando o olhar, os gestos e a voz pura
daquela, cujo amor faz a nossa ventura.
Fica-se a conversar com o espírito da ausente;
mas tudo o que se pensa e tudo o que se sente,
e o que se fala à ausente, enfim, tudo, persiste
num tom de palidez imutável e triste.

   

Oh! a ausência fatal! a suprema desdita!
E a gente ver consolo em uma frase escrita...
Ir buscar, no infinito horror do pensamento,
com que vos levantar, sonhos, do abatimento,
porém, nada trazer que a amargo não resume!
E depois, como um frio e penetrante gume,
sulcando mais veloz que uma bala violenta,
ou que as aves cortando um marouço em tormenta,
e trazendo um veneno à ponta de uma lança,
eis que o peito nos frecha a horrível Desconfiança,
arrojada por uma estúpida Incerteza!

   

Não é isso mesmo? Enquanto eu, apoiado à mesa,
vou lendo a sua carta (e o pranto já começa),
doce carta em que vem uma doce promessa,
ela não estará noutras cousas pensando?
Quem sabe? Enquanto eu vou neste exílio rolando,
como um rio tristonho e de margem sombria,
o seu lábio, talvez, inocente sorria?
Talvez ela me esqueça ou viva mais contente?

   

E eu a carta reli, melancolicamente.



   
   
   
12


   
   
   













WALCOURT

   



Telhas, ladrilhos,
que encantadores esconderilhos
para uns amores!

   

Lúpulos, vinhas,
folhas e flores,
lindas tendinhas
de bebedores!

   

Claras tabernas,
taças cantantes,
criadinhas ternas
para os fumantes!

   

Caminhos do ócio,
estações, viajantes...
Quanto negócio,
judeus errantes!






CORTEJO

V
 es tido o mono de broçado,
 vem sa1titando adiante da bela.
 E, entre as mãos enluvadas, ela amarfanha um lenço bordado.

De escarlate, um negrinho atrás
sustém-lhe a custo, soerguida,
a pesada cauda comprida,
muito atento às pregas que faz.

O    mono os olhinhos demora
no alvo colo da sua dama,
rica opulência que reclama
o torso nu de um deus de outrora.

Põe-se o negro, às vêzes, a alçar
demais seu fardo suntuoso,
só para ver, o audacioso,

que êle à noite anda a sonhar.


E, indiferente a tais olhares,
ela vai pela escadaria
como insensível à ousadia
dos seus bichos familiares.





Um poema de Paul-Marie Verlaine ( 1844-1896)


Le ciel est par-dessus le toit...


Le ciel est, par-dessus le toit,
                 Si bleu, si calme!
Um arbre, par-dessus le toçit,
                 Berce as palme.

La coche, dans le ciel que’on voit,
                Doucement tinte,
Um oiseau, sur l’arbre qu’on voit,
                Chante as plainte.

Mon Dieu, mon Dieu, la vie est lá
               Simple et tranquille.
Cette paisable rumeur-là,
                Vient de la ville.

-- Qu’as-tu fait, ô toi que voilà
                Pleurant sans cesse,
Dis, qu’as-tu fait, toi que voilà,
               De ta jeunesse?


Acima de nós, o céu


Tão azul, tão calmo!
           O céu pairando acima de nós,
Por cima do telhado uma árvore,
           Sua palma balouçando.

O sino, na amplidão do céu,
           Docemente toca,
Na árvore, um pássaro, a céu aberto,
           Seu queixume canta.

Meu Deus, meu Deus, e a vida ali está
           Simples e tranquila,
Este sussuro de paz
           Da cidade vem.

-- Que fizeste, ó criatura de tudo aquilo
          Neste choro sem fim,
Dize, ó criatura, de tudo aquilo, que fizeste
           De tua juventude?

                                                  (Trad. de Cunha e Silva Filho)


ARTE POÉTICA - Paul Verlaine
Música sempre, acima de tudo,
E para tanto elege o Ímpar,
Mais vago e mais solúvel no ar,
Livre de peso e à pose mudo.
Abstém-te ainda de no teu inciso
Escolher o verbo sem um desacerto:
Nada mais alto que o canto incerto
Onde se juntam Preciso e Impreciso.
São belos olhos por detrás de um véu,
O amplo dia estremecendo ao estio,
E num luzir de outono macio,
A turba azul de estrelas no céu!
Porque também a Nuance falta,
Não queremos Cor, apenas Nuance,
Oh! a Nuance permite que dance
Sonho com sonho, e com trompa flauta!
Mantém ao longe Farpa assassina,
Riso impuro, Espírito cruel,
Que entristecem o doce Mantel,
Pobres manjares de tão fraca sina!
À Eloquência, torcer o pescoço!
Bem usarias o propício clima
Para amainar um pouco essa Rima,
Pois senão onde findará o poço?
Oh! Quem dirá os males da Rima?
Que surda infância ou que preto louco
Terá forjado esse adorno oco,
Que soa a falso sob a nossa lima?
Música ainda, sem nenhuns temores!
Seja o teu verso a coisa enlevada
Fugindo assim da alma puxada
Para outros céus e outros amores.
Seja o teu verso a boa aventura
Dispersa ao vento mordaz da manhã,
Embalsamada em menta, hortelã…
E tudo o resto é literatura.
Tradução de Filipe Jarro
Art poétique
De la musique avant toute chose,
Et pour cela préfère l'Impair
Plus vague et plus soluble dans l'air,
Sans rien en lui qui pèse ou qui pose.
Il faut aussi que tu n'ailles point
Choisir tes mots sans quelque méprise :
Rien de plus cher que la chanson grise
Où l'Indécis au Précis se joint.
C'est des beaux yeux derrière des voiles,
C'est le grand jour tremblant de midi,
C'est, par un ciel d'automne attiédi,
Le bleu fouillis des claires étoiles !
Car nous voulons la Nuance encor,
Pas la Couleur, rien que la nuance !
Oh ! la nuance seule fiance
Le rêve au rêve et la flûte au cor !
Fuis du plus loin la Pointe assassine,
L'Esprit cruel et le Rire impur,
Qui font pleurer les yeux de l'Azur,
Et tout cet ail de basse cuisine !
Prends l'éloquence et tords-lui son cou !
Tu feras bien, en train d'énergie,
De rendre un peu la Rime assagie.
Si l'on n'y veille, elle ira jusqu'où ?
O qui dira les torts de la Rime ?
Quel enfant sourd ou quel nègre fou
Nous a forgé ce bijou d'un sou
Qui sonne creux et faux sous la lime ?
De la musique encore et toujours !
Que ton vers soit la chose envolée
Qu'on sent qui fuit d'une âme en allée
Vers d'autres cieux à d'autres amours.
Que ton vers soit la bonne aventure
Eparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym...
Et tout le reste est littérature.