No te des por vencido, ni aún vencido, no te sientas esclavo, ni aún esclavo; trémulo de pavor, piénsate bravo, y acomete feroz, ya mal herido.Ten el tesón del clavo enmohecido que ya viejo y ruin, vuelve a ser clavo, no la cobarde estupidez del pavo que amaina su plumaje al primer ruido.Procede como Dios que nunca llora; o como Lucifer, que nunca reza; o como el robledal, cuya grandeza necesita del agua y no la implora...¡Que muerda y vocifere vengadora, ya rodando en el polvo, tu cabeza!
Los poemas que siguen son de Borges:
Jorge Luis BORGES
EL INSTANTE
¿Dónde estarán los siglos, dónde el sueño de espadas que los tártaros soñaron, dónde los fuertes muros que allanaron, dónde el Árbol de Adán y el otro Leño?El presente está solo. La memoria erige el tiempo. Sucesión y engaño es la rutina del reloj. El año no es menos vano que la vana historia. Entre el alba y la noche hay un abismo de agonías, de luces, de cuidados; el rostro que se mira en los gastados espejos de la noche no es el mismo. El hoy fugaz es tenue y es eterno; otro Cielo no esperes, ni otro Infierno. 1964
El remordimiento
He cometido el peor de los pecados que un hombre puede cometer. No he sido feliz. Que los glaciares del olvido me arrastren y me pierdan, despiadados.Mis padres me engendraron para el juego arriesgado y hermoso de la vida, para la tierra, el agua, el aire, el fuego. Los defraudé. No fui feliz. Cumplidano fue su joven voluntad. Mi mente se aplicó a las simétricas porfías del arte, que entreteje naderías.Me legaron valor. No fui valiente. No me abandona. Siempre está a mi lado La sombra de haber sido un desdichado.
" A Paisagem " Ó tu que és a paisagem que não me pertence à margem do meu itinerário, entrevista tantas vezes mas nunca possuída nem sequer visitada senão em meu sonho visionário... Ó tu que és a paisagem que me acompanha todos os momentos e que margeia afinal o meu caminho até o remoto, até o adiante, o imprevisível, a paisagem que me acompanha, mas não me faz companhia Pois que estou sempre sozinho... Que adiantaria saltar, se sou viajante se devo passar apenas, sempre à distância, e inebriar-me, com a impossível miragem, se alguém mais feliz chegou, e de mais posses, possuiu-a, e ergueu a cerca-limite, entre a estrada e a paisagem... Que fazer, se hei de ser apenas o viajante que passa, despercebido, e tu, a impossível paisagem que fica sempre para trás, como um gesto perdido... " Acordeon "
Quando te tenho sobre os joelhos penso que sei tocar acordeon, e brotam notas dos meus dedos que eu sei bem que tu ouves porque os teus olhos estão dançando um tango.
" Aleluia ! "
Ainda bem que o dia amanhece ainda bem que há janelas nas paredes fechadas...
Que seria da vida se certas noites se prolongassem dentro de quatro paredes que não abrissem janelas ?
Esta luz que rompeu como um grito violento retirou dos escombros de tantos homens abatidos um homem novo capaz de lutar e esquecer que morreu.
" Aquarela "
Será fácil te esquecer: a grande praça entre sombras as montanhas azuis, aquele banco que ouviu em uma tarde ainda em crepúsculo vagas palavras, quase despedida. Será fácil te esquecer: aquela doce manhã de ouro e de espera aquelas ruas com seus homens tristes, o sol na água parada dos repuxos um apito, - era o trem, - quem partiria ? Será fácil te esquecer: aquela noite azul de estrelas trêmulas a praça novamente, e tanta gente sem perceber que apenas dois destinos se encontravam na praça, - nada mais, - que nossos dois destinos se encontrava, Será bem fácil te esquecer: basta que esqueça o dia, a tarde, a noite, basta que esqueça o sol, a praça, as ruas basta, enfim, me esquecer. "As Duas Mãos..."
À noite, sob os lençóis, nossas mãos cegas se encontram e um diálogo de ternura e de silêncio independe de nós. Mãos insones, que surpreendemos ainda juntas, num diálogo de ternura e silêncio, quando a manhã nos expulsa do sonho... Como Deus expulsou Adão e Eva do Paraíso... " Ascensão ? "
Às vezes pressinto que ainda não sou que apenas estou sendo Antevejo paisagens porque percebo a escalada e qualquer cousa me diz que chegarei a olhar-me em todas as direções, sentindo que tendo aos meus pés os caminhos revelados, e as próprias nuvens se conformam em poemas... Atiro-me ao trabalho com esforço e aventura sem olhar para trás, como o alpinista que percebe não ter chegado ainda ao ponto mais alto quando poderá plantar o seu marco, e só então, olhar o mundo. Às vezes pressinto que ainda não sou e nessa dura escalada, angustiosa, um pensamento me amedronta: serei ? Chegarei ao cimo ou cansarei ?
" Barco Perdido "
Oh! a vida é uma grande renúncia, partida em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora... E a ironia maior, é que às vezes, a vida de renúncia em renúncia aos poucos vai embora... Tu voltaste de novo... e o doce amor de outrora trouxeste ainda no olhar, na expressão comovida. e eis que o meu coração no reencontro de agora transforma em labareda a chama adormecida... No entanto, que fazer? Há uma âncora no fundo... Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo, barco esquife, onde jaz um marinheiro morto... Velas rôtas ao vento... os mastros aos pedaços... E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços, e me deixo ficar, sem destino, nem porto...
" Barro "
Não me culpes, se não posso tirar deste amor senão formas, como louco escultor diante do barro... Não era teu destino ser música em meu coração. " Brinquedo "
O amor é como um brinquedo só dura enquanto na loja Tambor ou boneca o amor é imenso enquanto o escolhemos entre tantos, em nossas mãos sua existência é o intervalo entre a sua conquista e uma nova visita à casa de brinquedos. Sim, seria eterno amor, se em face dele deixássemos de ser crianças. Ou, quem sabe ? se o amor não fosse um brinquedo.
" Cadeira de Rodas " Tenho enganado o destino e traído minha vida deixando-me ficar – como estou – nesta cadeira de rodas do meu tédio... Quanta aventura, quanto sonho frutificando em vão, quanto amor à espera, para ser colhido e eu a morrer aos poucos enraizado a esquecido. . .
Tantos que se vão, sem adeuses sem nada, apenas com o seu coração, com a coragem de romper cabos e amarras pela simples alegria de partir. . .
Tantos que um dia se libertam afinal sem olhar para trás sem pensar em voltar, e se perdem, e se encontram, e renascem das cinzas do que foram com as mãos cheias de frutos Oh! a coragem de partir para não morrer emparedado! - atirar-se ao mar, como aqueles velhos navegadores que adivinhavam terras que ninguém sabia e enfrentavam o mar - o monstro misterioso – como loucos pigmeus . . . Oh! a coragem de largar o velho porto onde o casco se enche de algas e ferrugem, nem que seja apenas pelo prazer dos ventos livres o balanço das vagas encapeladas a expectativa de paisagens irreveladas. A coragem de conquistar a vida que se esconde atrás dos horizontes que palpita e atrai como uma estrela fugidia, e que chega, quente e viva, quando a colhemos sazonada pela emoção da morte que amadureceu em suas imprevisíveis searas. Tenho enganado meu destino deixando-me ficar paralítico, sem remédio, nesta cadeira de rodas do meu tédio . . . " Canção Triste " Vivemos novamente como dois seres cerimoniosos quando chego me beijas como a uma amiga na rua, não te despes na minha frente, tão diferente daquele tempo em que a tinha em meus braços despudorada e nua... E um arrepio ainda estremece os meus desejos lassos... Muitas vezes me pergunto: então isto é o amor? Quero ser o que fui, prometo que te tomarei nos braços que te enlouquecerei como antigamente, sem nenhum pudor... Ao tentar entretanto, percebo o vão desejo, reconheço que há uma ternura entre o vago e o fastio, mas não consigo vencer esta estranha distância e ir além das minhas forças, ressuscitar essa ânsia... Às vezes penso, em desespero, que talvez se fugíssemos não sei pra onde, mas pra longe, entre sombras e muros, se pudesse ser de novo a fresca e imprevista flor, talvez nos reencontrássemos mais forte e mais puros e no grande isolamento ressuscitássemos o amor... Que fazer, meu amor ? Há de soar diferente de outros tempos minha voz a te repetir: - que fazer, meu amor ? Sinto que levo nos braços por desesperado caminho um sonho que em vão floriu e em vão frutificou! Tu sabes bem que ainda te amo, e eu percebo que me amas, qualquer coisa ainda há, talvez, para salvar o amor, não vamos deixá-lo assim abandonado em meus braços em meus braços pesados de angústia e de amargor . . .
Talvez ainda viajemos juntos, ainda nos encontremos para as nossas emoções, se somos jovens e há tempo... Aterroriza-me pensar que se o deixarmos morrer seremos também arrastados para a desolação irremediável e nada restara de nós, quando a última onda o envolver!
" Canto de Ontem " Vamos, põe teu braço no meu braço, vamos recordar os velhos tempos do nosso amor. Passeávamos assim, e que frias eram as tuas mãos no momento do encontro, e que dóceis teus lábios depois da rendição. Muitas vezes perdi-me em teus lábios e não soube voltar. Que era o mundo senão um punhado de perspectivas que saíam do ponto coração e se perdiam nos teus olhos? Tanta cousa esperamos e alguma cousa colhemos mas que triste, amor, este todo-o-dia matando o que esperávamos jamais ser tocado pelo tempo. Tu me queres ainda, eu sei que te aninhas, por habito ou por frio junto ao meu corpo, e esperas. E eu te quero ainda, muito mais pelo que deixaste nas raízes mergulhadas e pelo que representas nas nuvens que se acumulam do que pelo momento de tédio e ternura, elementos do nosso coquetel cotidiano... Vamos, põe teu braço no meu braço, como antigamente, entrega-me docilmente os teus lábios, e pensa que eu te beijo há mil anos, num tempo em que seremos sempre os mesmos e o nosso amor imortal. " Canto do Amor sem Tempo " "Porque nunca te estreitei contra mim é que nunca te afastas." (Apontamentos de Malte Laurids Brigge. Rainer Maria Rilke.)
Cresces no pensamento quanto mais te afastas, nunca te afastas, nunca, se afinal ressurges em cada vivo instante - ó flor sem estações, numa árvore que tem mil profundas raízes! Para mim, és aquela intangível presença que construí com o meu louco desejo impossível. Se não posso tocar-te, hás de acenar-me sempre: loura estrela que a mão não apaga dos olhos. Mais alem do desejo - essa fera em tocaia -, da ternura - esse dote veneno que embriaga -, paira o amor, e eis o amor, longe de nossas forças, fruto de ouro da lenda que criamos juntos. Ah! pudesse eu tocar-te e talvez esboroasses como um gesto de areia ao abraço das vagas... Ah! pudesses ser minha, e talvez percebesses que então, já nunca mais poderias ser minha! Ah! o amor, como nós o afastamos, no instante em que julgamos, tontos, loucos, celebrá-lo. Só depois que o possuímos é que compreendemos que possui-lo é afinal parti-lo e mutila-lo. Quem diria? A conquista é o "requiem" do amor, e o que devera ser eterno e indivisível, vai sendo mutilado toda vez que um golpe de prazer, fere e atinge a substancia do sonho. Só - como estas, assim, estou sempre ao teu lado, sempre comigo estas -, assim só, como estou. Que faríamos nós para salvar o amor se eu pudesse planta-lo em teu corpo, a enraizar-me? Ah! os braços são alças do esquife imprevisto, colhem flor sem raiz, colhem astros sem céu. o meu amor, só tu cintilas em meu sonho porque enquanto me buscas eu jamais to alcanço! O destino do eterno atraiçoou nossos planos. Nossa conspiração frustrada nos endeusa. E esse amor, que eu quisera estrangular de beijos sobe como uma chama angelizada no ar! " Canto e Elegia "
Sejam as palavras a forma da minha dor ou da minha alegria. Que este é o destino real dos que trouxeram a poesia, existirem apenas no canto, como a chama no fogo, como a forma na flor! Canto e elegia... aonde eu for. " Canto Integral do Amor " Cegos os olhos, continuarias de qualquer forma,. presente, surdos os ouvidos, e tua voz seria ainda a minha música, e eu mudo, ainda assim, seriam tuas as minhas palavras. Sem pés, te alcançaria a arrastar-me como as águas, sem braços, te envolveria invisível, como a aragem, sem sentidos, te sentiria recolhida ao coração como o rumor do oceano nas grutas e nas conchas. Sem coração, circularias como a cor em meu sangue, e sem corpo, estarias nas formas do pensamento como o perfume no ar. E eu morto, ainda assim por certo te encontrarias no arbusto que tivesse suas raízes em meu ser, - e a flor que desabrochasse murmuraria teu nome.
"Canto ou Elegia"
Porque não me pertences eu te sinto minha. Sei que estou no teu sono e nos teus movimentos. Ah! se já tivesse apertado ao meu peito talvez me pertencesses, - e não fosses minha. Quantas, quantas julguei possuir, tive-as na posse e perdi-as no instante em que a taça se esvaziou. Ah! morremos de sede ! E é água pura que canta perto de nós, no abismo, esse amor que não temos. Morro de sede, e sofro... Ó música tão perto e tão longe na minha solidão ardente! - Quanto não a ouvirei porque a terei nos lábios? Quando a possuirei sem notar-lhe a pureza? E a beberei sem ver, que a estou, lento, matando, e estou, lento, morrendo, sem saber que morro? " Canto Primitivo "
Inveja, sim, do lavrador, do colono, que violentou o chão e empurrou as florestas para o cume das montanhas, assustadas pelo fogo das queimadas ... Que plantou os toros e colheu a casa, simples, sozinha, perfeita. . . - o sol dançando em torno, - e à janela, vê seu mundo como um Deus, e olha sem crer a sua mão direita.
Inveja, sim, da pureza inicial, bárbara e rude do amor sem sucedâneos, da beleza da terra sem pudor, acordando com as colheitas douradas ao primeiro sol, e dormindo com as plantações quando as montanhas [estendem como franjado xale, seus véus de sombra sobre o vale. Ah! ser puro como as plantas, como a terra, ter o coração forte como os córregos que estrugem pelas pedras, nas gargantas da serra.
E possuir a vida sem complexos instintiva, sem razão, como o touro-garanhão que na pastagem à luz do sol, urrou para os céus o Canto da fecundação!
" Colóquio Prosaico "
I Porque as cousas que me cercam se impregnam de poesia porque lhes transmito minha convivência e que posso ama-las a senti-las com a perspectiva da minha emoção. Oh! felizes são aqueles que encontram os objetos amados nos seus lugares, ao seu redor, e possuem o dom de transubstanciar-se em seu próprio mundo cercado por uma imensa família, mesmo na solidão. Seres do nosso mundo os jarros, os quadros, os livros, as cortinas, a janela, a cama, a mesa, são velhos companheiros, formas extáticas de pensamentos, são velhos confidentes, testemunhas silenciosas de nossos conflitos, estatuas de mil figuras e personagens representando-nos em tantos instantes diversos . . . Cada um a um monumento múltiplo, onde se agrupam tantas idéias, tantas conjeturas a solilóquios, fazem parte de nossa vida, e se encontram nela, vivos como a cena nas personagens. II Neste apartamento, sem ninguém, só eu não serei estranho, só eu encontro companhia, pois em suas formas continentes tenho vivido. As cousas me conhecem, me olham, me recebem, me aconchegam principalmente quando estamos inteiramente a sós porque então nada lhes tolhe a infinita timidez. Meus livros me esperam - nas margens deixei-me ficar ,- gravei mudos pensamentos em suas entrelinhas, ampliei-os, e só aos meus olhos tem tantas páginas que outros não lerão jamais. E estes dois jarros simples, se não os encontrasse mais seria como se mutilassem meu mundo; estes quadros representam configurações que só minha imaginação criou e estão na parede, como a nuvem no céu. Minha cama, oh! estender-me, horizontal a humilde, e encontrá-la sempre à espera sem um reclamo, uma exigência, branca a macia como um gesto de enfermeira, minha cama, meu chão de cada noite de cansaço e amor. Minha mesa - ao seu lado sentei-me tantas vezes diverso como um deus - capaz de criar mundos sobre suas quatro pernas, ou simplesmente humano, a receber o pão, minha mesa, palco onde minhas mãos representam seu destino na eterna cena que imagino e crio. Meu radio, meu magico Dr. Fausto, com sua alquimia maravilhosa a transformar meu silêncio em Scherazade e se pondo a cantar na minha pause. Minha máquina, meu instrumento de curiosas e minúsculas teclas que as vezes parece mesmo tocar antes que lhe encoste os dedos, e vai guardando em sue branca memória tanta cousa para além dos limites da vida ouvindo e repetindo o que lhe digo; minha maquina, harpa e saxofone, violino e clarim, corda e metal, lançando palavras mágicas, que eram apenas recôndita e misteriosa vibração, sempre pronta ao trabalho até na minha insônia. .............................................................................................................................. Amo as cousas que me cercam, elas tem alma para mim, vivem comigo a minha vida e partilham do mesmo destino, e - sobre elas me encontrarei como uma sombra até que o sol se ponha.
" Convalescença " Toda vez que escrevo convalesço, estou nascendo outra vez dentro de mim. Convalescença de uma longa enfermidade em que fiquei paralítico dentro de mim mesmo. E de repente, posso andar, posso sair, - que misterioso médico – indicou-me a liberdade e reconciliou-me com a claridade da manhã e os caminhos que são sinuosos convites acenando? Estou descendo invisíveis degraus de uma branca escadaria que dá para um grande parque onde as árvores e os homens dialogam e brincam como as crianças, e fazem roda em torno das heras de velhos poetas escondendo faunos nas pupilas de bronze. A criação é uma convalescença, uma janela de hospital que se abre, dois braços que respiram abarcando o espaço e dois olhos que começam a cantar como os pássaros Estes cantos são apenas o ritmo elementar da respiração desopressa o latejar do sangue nas veias, que arremeda as águas que estão rolando em algum lugar do mistério. Fora da arte e da poesia a vida é uma longa enfermidade, um tédio branco de hospital, sem esperança. "Covardia" O que me falta é a coragem para fazer como Gaugin e ir pintar as ilhas e as mulheres dos mares do Sul. Não cair em Jack London mas pintar pelo menos céus amarelos como os de Van Gogh e beber absinto como Rimbaud. O que me falta é a coragem para ir encontro que marquei comigo mesmo numa esquina do mundo para encontrar o destino... " Desculpa "
Me desculpem, amigos, se não consigo sujar o sonho, torná-lo indecifrável e apocalíptico, se não consigo lambuzar o símbolo, se não posso turvar a imaginação. Me desculpem, amigos, meu jeito é este mesmo de ser poeta, e a água da minha onda, por mais profundo que seja o mar, é azul e transparente, e os peixes tem suas formas, e as algas não tem suas formas, e as estrelas do mar florescem cinco pontas, como as palavras que luzem. Me desculpem, amigos, se venho assim transparente como o fundo de aquário num parque para crianças e curiosos, e se vos ofereço estes velhos símbolos de uma velha e primitiva poesia que chegou com os peixes à terra, talvez antes da presença do homem.
" Edelweiss "
Contenta-te com o que já tens, se é tudo o que posso dar-te, não queiras o coração, - puro Edelweiss das alturas ; que há muito perdi num sonho que escalou a montanha e não voltou. Não percebeste ainda no desespero com que me enraízo que és a terra onde piso e me vingo do sonho inacessível. E depois, - oh! a eterna insatisfação, - não te lastimes! Se atingisses o sonho, talvez o achasse tão pouco na palma de tua mão. " Elegia da Folhagem " E vieram uns homens estranhos, empunhando suas armas, e derrubaram sobre a calçada as ramagens mais altas e belas das amendoeiras. As crianças estão brincando sobre a morte da folhagem e elevam no ar os galhos decepados como inocentes estandartes... Posso perdoar as crianças, não perdôo, no entanto, os que perpetram este crime todos os anos contra as amendoeiras de minha rua - as amendoeiras de todas as ruas Como seria bom se elas pudessem subir livremente e trazer seus ramos até minha alta janela. ............................................................................................ Amanhã, quando o vento vier as folhas que restarem sussurrarão elegias pela rua, e ouvindo-as, por um segundo, recolherei meu canto. " Embriaguez " " Ah! como quem bebe se ausenta estranhamente do ato de beber" (Segunda Elegia. Rainer Maria Rilke)
Que poderíamos esperar, amor, ao fim do brinde senão duas taças vazias ? E é inutil reenchê-las... cada nova taça nos afastará mais do prazer inicial e nos levará ao esquecimento. Ninguém recuperará jamais o sabor dos primeiros goles e as puras alegrias da primeira taça... Ergamos um brinde à embriaguez, que ela só, nos faz esquecer o quanto nos afastamos de nosso amor, e o quanto o vamos esgotando sem sentir, a cada novo brinde ! " Esperança "
Ainda resta afinal intacto o coração e puro o sonho que como a flor singular e misteriosa fizeste nascer da pedra lisa. E ainda podemos como os marinheiros nos mirantes colocar a mão sobre os olhos para atingir a distancia maior dos horizontes. Quando há coração e há caminhos ainda resta a esperança para o amor.
" Estranho Instrumento "
Meu coração, como uma harpa submersa, jaz no fundo de que ignorado oceano? Que estranhas correntes arrancam de suas cordas sons líquidos e redondos que se perdem côncavos antes de chegar à tona?... Que peixes cegos tiram notas imprevistas e se vão tontos na ondulação do canto que despertam entre espectros calcários e verdes algas trementes? Que músicas borbulhantes se agitam, nascidas de que movimentos sem origens, incognoscíveis, marcando um tempo morto e imensurável? Meu coração é como uma harpa submersa, sem dedos, sem cordas, tocando sozinha uma canção que desvenda os mistérios da vida para os peixes ouvirem.
" Estudo N°.1 " ( escafandrista )
Me visto com as palavras como o escafandrista para descer ao fundo das coisas e penetrar o mistério onde me encontro Mas quem traduzirá a visão dos olhos, se à luz do sol, na fixação, tudo se perde, e a verdade absoluta continua submersa ? Cada poema é uma descida ao fundo do oceano: repentina revelação de algas e peixes de luz e formas que a superfície não entremostra. Ó louco escafandrista, em vão devassarás as profundezas do oceano, trazes apenas à tona as tuas narrações - vãs palavras das expedições ao teu canto! " Estudo N°.2 " ( a semente )
Plantei-te em meu coração e ele consumiu-se inteiro como a semente e transformou-se em haste, em ramo, em flor... Consumiu-se inteiro pela glória humilde de ser seiva e alimentar este amor
" Estudo N°.3 " ( caminhos diversos )
Quanto mais ando, mais me afasto de mim mesmo... Seguimos por caminhos inteiramente diversos e não sei qual de nós tem sido mais pesado ao outro carregar... Talvez que ainda me perca de vista, e me livre deste canto, entoado em hora imprópria para a surdez do mundo e que me comove como a uma criança.
" Estudo N°.4 " ( Sem saída )
Por que sonhar com verdes horizontes, ou árvores assustadas em fuga pelas montanhas se é impossível sair Diante de meus olhos, os altos paredões de concreto apertam meu coração inocente a cumprir uma pena por um crime ignorado E uma surda revolta se debate, como um pássaro sem vôo. " Estudo N°.5 " (A posse)
A posse - esse gozo do amor com que te embriagas,- é uma estranha roedora que a si mesma se rói... Por que querer lutar se não á esperança?... Por que? Se o mesmo gesto que alcança, - destrói... " Estudo N°. 6 " (tange a harpa )
Restam-me os momentos submersos quando o espírito tange como uma harpa e meus olhos se enchem de algas e estrelas nítidas como cristais Felizes os homens que encontram profundidade para mergulhar, e podem estar sós para multiplicar-se.
" Estudo N°. 7 " ( Digitais )
Sei que sou um artista impuro nunca serei cristal nunca estarei totalmente em Duino ou Muzot como Rilke, quem sabe se apenas o "dono do mundo" de Shelley "manchado pela clara radiancia da eternidade" ? Não chegarei ao crime perfeito, - e como desejara - hei de sempre deixar na minha obra as impressões digitais: digitais: um pouco de sangue sobre o meu espírito trairá sempre a minha vida. Nunca estarei totalmente só, mesmo no transe, sinto que nasci para comunicar um pouco mais do que a mim mesmo e sou muitas palavras necessárias. Sou um pedaço de rocha translúcido, onde a marca da terra ficou em traços indeléveis retida, e esta é a minha pureza, pureza com todas as sua manchas de vida.
" Estudo N°. 8 " ( Imortalidade )
É preciso que te encontres na tua obra, como a pedra na construção. É preciso que te recries na tua obra para que subsistas. Não morrerás se atingires o mistério com as tuas mãos e souberes vivê-lo enquanto cantas. Sim, não morrerás porque pisaste o tempo e passaste sobre ele e te libertaste.
" Estudo N°. 9 " ( Abismo ?)
Cismo: - cansarei ou imprevistamente rolarei no abismo ?
" Fim do Mundo "
Já esta na hora dos homens saírem como Flash Gordon para a Lua ou para Marte Já não há nada de novo se as palavras se repetem as batalhas se sucedem sem heroísmo, as palavras se dissolvem, e se o patriota vai morrer sem que as bandeiras e os tambores consigam convencê-lo com seus argumentos e fanfarras! Já esta na hora dos homens saírem para a Lua ou para Marte pois os piores crimes são os cometidos sem arroubos nem paixão " Frustração " Persegui-a com as mãos, como uma criança a um brinquedo. Era um sonho; era mais: - a alegria que chega, o prazer que nos toma e nos deixa inebriados, atirando à corrente, num gesto, os sentidos... Ah! Povoou minhas noites de sono sem pálpebras; dançava entre estrelas na distância, - via-a! Meu destino! pensei, - eis o amor! - É esse sangue que me queima por dentro e me agita: eis o amor! E alcancei-a! Eis o mar ao redor atordoante! Nos meus braços em concha era como uma pérola escondida, o mistério do oceano a guardar... E de repente, é estranho! esse vazio, esta ânsia! Como a posse do amor está longe de amor e o rumor que há na concha... está longe do mar! " Harpa Submersa "
Este retardatário gosto de pureza, que me vem à boca do fundo coração, não sei se é tédio ou o sinal de alvoradas renascentes. Na areia branca onde a onda tenta apagar vestígios de pés e levar todas as conchas, me deixo à espera de outra vagas carregadas de conchas ou de passos que tatuem novas marcas na epiderme do coração. Pobre coração marinheiro, tão marcado, de que canto obscuro desenterras imprevistamente esta harpa cheia de algas e de sons submersos? " Imortal " Me sinto na academia me sinto "imortal" nesta mensagem que chegou de longe como um branco pombo cansado e pousou sobre a minha mesa... Um irmão de Loanda, um irmão negro me manda uma mensagem de paz e me aperta ao seu coração, emocionado, e me agradece, o que julgou ter encontrado naquela "Estrela da Terra"... Releio a carta, e um calor me aquece o coração com esta palavra que vem de longe e me toca como o sol, que me fala acima de fronteiras e desconhece oceanos como a visita pródiga e inesperada de um irmão extraviado que chegou... E releio então outras cartas - revoada imprevista que meu canto acordou - e que justificam minha poesia além dos lábios, minha poesia nos livros como flores, que não sei se o tempo despetalará. . . A do prisioneiro político de Fernando de Noronha, a que veio do Leprosário a que chegou da cadeia municipal de Juiz de Fora, a do poeta de Montevidéu, e as das moças de Taubaté e de Erechim, para quem sou maior que Guilherme de Almeida e Alceu Wamosy. Me sinto na Academia me sinto "imortal", vou rever cem jornais de cem diretores desconhecidos, de cem pequenas cidades de minha terra, onde minha palavra ocupou espaço, pensou, a falou aos homens e aos corações. . . Ontem o amigo informou que as 10,30, precisamente as 10,30, através da emissora que ele pegou, de um Estado qualquer, uma voz pedia licença e comunicava a mensagem que era minha mas que caiu como a boa semente, e multiplicou-se pelo ar. . . Me sinto na Academia me sinto "imortal", Não sei bem de que academia nem sei a que morte me refiro sei que neste momento me sinto como as crianças e os animais para quem a morte não é nem mesmo, uma palavra que se lê. " Lembranças "
Me lembro das emoções que experimentei então. Dos ciúmes do teu decote, das exigências do teu cabelo, do excessivo rubor de tuas unhas que tanto me preocupavam, tão vermelhas.
Me lembro do meu domínio e do orgulho do meu domínio pequeno César de esquina à espera de que tivesses pronta para o baile. Me lembro da noite toda de par constante policiando teus olhos e teus gestos, captando teus sorrisos em todas as direções... Era tudo tão tolo, era tudo tão besta, meu amor, mas que estranha poesia a vida pisou para nunca mais.
" Lenda " Para que, meu amor, reavivarmos aquilo que era um "sonho de amor..." uma "sonata ao luar"? ... Aquele lago azul da montanha, tranqüilo, onde, faz muito tempo, encontrei teu olhar... Para que? Se afinal, vai ficar sem resposta a pergunta que fiz no reencontro de agora... ........................................................................................... No meu ombro os teus louros cabelos recosta deixa ver se ainda encontro o doce olhar de outrora... Tanta cousa passou . . . Eu nem pensava mais ser possível, de novo, encontrar-te em meus braços . . . Tão vaga era a esperança e tudo tão fugaz que eu ja supunha em vão, tentar seguir teus passos. . . Sem direito a uma esmola, sem direito a nada, de longe, acompanhei-to o vulto, imaginando para outrem, a felicidade tão sonhada, e que um dia eu deixara fugir. . . nem sei quando. . . E os anos se passando . . . E eu a dizer baixinho, (sufocando um amargo a constante desgosto) - que nunca mais seria meu o teu carinho, nem nunca mais teria o teu rosto em meu rosto. . . E de repente, o encontro. . . O inesperado, a vida que nos chega imprevista a nos transborda as mãos... E te posso colher em meus braços, vencida e encher, traço por traço, os pensamentos vãos... Posso apertar-te a mim. . . posso beijar-te a boca... Teus cabelos tocar... enlaçar-te a cintura... Para que, meu amor? Se toda essa ventura se esboroa e se esvai como uma imagem louca? Para que, meu amor? Se nos falta a coragem de reatar toda a história um dia interrompida... Se terás que me ver, de novo, de passagem, e eu, te olhar, como se olha a uma desconhecida... Para que? Mas desculpa a pergunta insistente... Deixa que te confesse ( é um desabafo meu ) - toda vez que me vires, vago e indiferente, pensa, que a te esperar, sepulto intimamente uma vida que é tua. . . e um coração que é teu...
" Líricas ( várias )"
Alegria Há um canto de pássaro no raio de luz que pousou na janela. Amor Acidentalmente a abelha aproximou duas flores na manhã nupcial. Brinde Sirvamos na taça a palavra e a música Canto Um pássaro pousou na palavra e deu asas ao coração... Carícia Foram tuas mãos... ou apenas o sol que saiu de uma nuvem para tocar-me... Esperança A face impassível do espelho ainda se turva... Inconstância Já foi rio, hoje é nuvem... e um dia será flor... Inquietação Não são as ondas, não são os ventos... Nos rios subterrâneos do meu sangue há velas brancas, desesperadas... Melancolia As nuvens eram duas mãos longas, cada vez mais longas acariciando o poente. Oração Este silêncio... este estranho silêncio que canta na palavra que brota verde da terra... Pessimismo Há estrelas no céu, há vermes na terra, há algas no mar... Só eu nasci homem... Poesia... ... quem me levou a este encontro imprevisto para uma posse impossível? Pudor Escapas, nua, dos meus braços e vais te vestir no quarto ao lado. Pureza Brancos pés de criança vão cantando sobre abismos... Sensual Eram dois bicos de aves só que tremiam sob o teu vestido... Tristeza Uma noite obscura adoece em teus cabelos...
"Marinha nº. 1"
Desmancha os meus cabelos, como fazes quando estamos os dois calmos e em paz, em vazio colóquio - quando estamos como dois barcos quietos... junto ao cais... Quando deixamos para trás o mar, mar de impulsos, de sonhos e desejos, quando o teu corpo é um barco ao meu comando sacudido de ventos e de harpejos... Já vencemos, os dois, cantos e vagas, na aventura das horas dionisíacas, deslumbrados com os próprios temporais... Desmancha agora, amor, os meus cabelos, como fazes nas horas de bonança, quando somos dois barcos, junto ao cais...
"Marinha nº. 2"
Em teus braços, sou como um barco desarvorado, por roteiros perdidos... E o meu desejo é este vento que levanta procelas em teus sentidos...
Ah! Morrer assim como um marinheiro, e mergulhar, e me afogar... ... e encontrar meu destino e meu fim em teu corpo de mar...
" Marinha nº. 3 "
Para mim, as ruas, as longas ruas, são negros conveses imóveis de um navio encalhado num estagnado porto
Eu, sou um marinheiro morto. " Marinha nº. 4 " Quando a minha cidade levantará ferros e seguirá pelos mares do mundo ?
Ou terei que me atirar às águas e seguir a braçadas para as ilhas que me acenam no horizonte?
" Marinha nº. 5 " Está renascendo está ânsia, que julguei superada como uma onda na praia, e ela retorna como uma onda nova, encapelada sobre o coração. Esta ânsia de fuga sem tocata, de fuga à fatalidade prosaica do destino ao tiro burguês que prostrou de tocaia irremediavelmente o sonho e que não responderá pelo delito. Sinto que me atingiram em cheio o peito, - neste líquido quente ainda pulsa a vida que vem de dentro como as águas dos "geisers" revelando o coração da terra. Cambaleio, como bêbedo, meus olhos estão turvos como espelhos côncavos, mas meu espirito paira nítido como a estratosfera inalcançável às nuvens e as perturbações do mundo. Está voltando esta ânsia, renascendo como gêmula verde de tronco abatido, entre os destroços da queimada, e sinto que ainda ascenderei além das nuvens, como o pé de feijão da história infantil, e chegarei à asa do avião que me levara como Flash Gordon para luas surrealistas. Nas visões da crise nova, Hong-Kong e coqueirais do Pacifico se misturam aos cais de Hamburgo e às ladeiras de Montparnasse, e a morena de Hawaii dança sobre meus joelhos, enquanto minhas mãos deslizam sobre as ancas da mulher perdida de Anvers... As arcadas de Leandro Arlen viajam pelo mundo num tango e ancoram num bar da Broadway, onde um japonês de MacArthur faz um brinde a América com um trago de vodca. Não sei onde me levará esta onda que cresce, e só desejo que haja ainda algum penhasco submerso, para que ao menos possa acabar como os restos de um naufrágio dando a alguma praia sem nome. " Musa "
Foste tu que escolheste a palavra e a entregaste ao poema. E lhe deste asas, e coração, e sangue, para romper o silêncio, e faiscar como um cristal descoberto pela luz, ou como a gota d'água que a face lisa da pedra porejou Foste tu que em meu pensamento escolheste entre tantas palavras aquela que seria eleita - sem explicação - e alcançaria, quem sabe? - a eternidade do canto. Foste tua que a transfiguraste. " Interlúdio " Há uma estranha ternura, há uma estranha meiguice na expressão de teu rosto e em teu modo de ser. Criança e mulher... talvez, ainda ninguém te disse o que, com o meu olhar, confessei, sem querer... Teu olhar... esse teu olhar adolescente onde há um misto de sonho e indeciso desejo, me perturba e emociona inesperadamente sempre que em meu caminho, eu te encontre, eu te vejo... Quando vens para mim, e te sinto ao meu lado a olhar-me nos olhos, terna, fundamente, teu coração, - bem vejo, - é um pássaro agitado, a bater em teu peito, as asas, febrilmente. Que fazer? E essa dúvida atroz me alucina. Em teus olhos inquietos, há um clarão qualquer. Devo deixar passar a criança, a menina, ou devo transformar a menina em mulher?
" Prelúdio N°.1 " ( Paradoxos )
Perdoa, meu amor... - na alegria imprevista do reencontro a nos pertubar ,- este véu de tristeza, vaga nuvem em meu olhar...
( O amor é mesmo assim, de paradoxo e extremos...) Perdoa, meu amor, só agora que te encontro é que me ponho a pensar no tempo que perdemos...
" Prelúdio N°.2 ( embriaguez ) "
Ah! encher minhas mãos com os teus cabelos louros assim... nervoso como me vês... E tomar tua cabeça, e beber, lentamente, teus beijos, enternecidamente, até a embriaguez...
" Prelúdio N°. 3 ( razão da noite ) "
Enchi minhas mãos de sol, com os teus cabelos e eles escorreram como luz entre os meus dedos... Agora que tenho as mãos vazias, compreendo a razão desta noite em meus dias... " Prelúdio N°. 4 ( tua boca ) " Na tua boca entreaberta, úmida, viva colhi o último suspiro do anjo que expirava em teus olhos...
" Prelúdio N°. 5 ( desejo ) "
Ao toque de tuas mãos, esse desejo que arde em minha fronte, com a ardência de um sol de verão serena oh! minha amada, ( e é doce e misteriosa essa estranha emoção), como o instante de sombra fresca e amena quando uma nuvem cobre o sol, e sopra na folhagem ressecada a viração... " Prelúdio N°. 6 ( tua lembrança ) "
Ficou tua lembrança... A lembrança de teus olhos vidrados semicerrados, de tua cabeça num gesto de criança recostada em meu peito, de teu cabelo desfeito... (de teus cabelos em ondas de ouro em teus ombros...) Ficou tua lembrança como uma flor azul de pólen de ouro, a romper imprevistamente, de um modo que ruiu em escombros...
" Prelúdio N°. 7 " ( traição do destino )
Foi traição do destino bipartir nossos rumos como um caminho frente a uma montanha, para fazê-los de novo se encontrarem muito tempo depois... Para quê ? Se cada um de nós podia ser um isoladamente, - se tínhamos que ser dois... Dois, assim como as margens de um mesmo caminho que seguem, lado a lado, paralelamente, até o fim...
" Prelúdio N°. 8 " ( Era uma vez...)
O último anjo entremostrou-se nos restos de tua timidez... E eu te contava uma história: Era uma vez...
" Prelúdio N°. 9 " ( A eleita )
Que importa, se não és? Foste e serás a eleita, a lembrança que foi, e há de ser onde eu for... Que haja pois, se preciso, a renúncia perfeita se não pode afinal ser perfeito esse amor...
" Novo Mundo "
Da alta janela posso ver distante o pouso dos aviões e em suas asas vislumbro restos de paisagens esgarçadas pelo vento... Pedaços de outras cidades, portos que apenas adivinho, mulheres que me sorririam, e que talvez me amassem, monumentos, pontes, outras ruas e caminhos vislumbro aos pedaços, nas asas dos aviões Enquanto isso, costuro em dez horas regularmente o meu destino das 8 às 18 horas... E, ó ironia! - leio toda tarde, sobre o edifício em frente o anuncio luminoso: "Novo Mundo"! " O Bar " Tu representaste o bar em minha vida. O bar onde a gente entra para tomar qualquer coisa - Uma batida, um vermute, - para reencontrar uma conversa que revolve em lembranças um passado inconseqüente. Um bar que faz parte do nosso caminho, como uma parada de ônibus num cruzamento movimentado do itinerário, e por isso eu venho sempre, a chego, a tomo alguma coisa, às vezes mesmo, tomo muito mais do que devo, repito as doses converso demais, e chego em casa com esse ar de quem esqueceu o presente em alguma esquina e pulou direto para o futuro. Tu representas o bar em minha vida. Contenta-te em te saberes quase indispensável e seres uma parada em meu itinerário. " Oh! A Chuva Chegou ! " Oh! a chuva chegou! Há que tempo esperava que a chuva chegasse. Oh! a terra era um brado de angustia! Oh! o céu que tristeza, meu Deus! As estradas andavam às cegas e os riachos mostravam seus ossos, duras pedras roliças, polidas, onde as águas minguavam chorando. Oh! a chuva chegou! Eis a chuva a cair pelo espaço e a cantar. Canta, chuva, que a terra te escuta e parece dançar de alegria. Canta, chuva, que as arvores todas se sacodem felizes, lavando nessa tua cantiga molhada suas penas cinzentas de pó. Oh! a chuva chegou, que beleza! Há seis meses que a chuva não vinha e eu que tinha as raízes enxutas esperava esse dia chegar!
Ougo a chuva cantando, ouço a chuva e por isso me pus a cantar, tudo canta molhado, na chuva! , tudo canta, molhado, no olhar! Oh! a chuva chegou! Que alegria! Oh! a chuva chegou! Vou cantar!
" Paraíso Perdido " Penso isto: penso que devemos fugir para nos mesmos. Nao são apenas os amigos que nos levam sem reação, são os cinemas, os teatros, as horas que perdemos nas ruas quando nosso quarto se fecha silencioso, sem tempo e esperanças. Não são apenas as horas que o trabalho me rouba inapelavelmente, e que não me serão devolvidas. É a nossa vida, feita sem tempo e de desencontros, sem pausa para a criação, sem paz para o recolhimento, sem silêncio para o pensamento, sempre ininterrupta, passando por nós, enquanto nos deixamos ficar sem alcançá-la... Penso isto : só a fuga para nos mesmos seria a salvação. Conheço um amigo pintor que se encontrou em Itatiaia e ouve o canto dos pássaros e das águas junto às Agulhas Negras. Meu amor: sinto que vamos chegando à hora em que devemos voltar ao Paraíso, ou jamais o reconquistaremos.
" Passando... "
E a minha vida vai passando... Percebo isto de repente, dentro de casa, num sábado à noite, o radio esta rememorando Noel Rosa, "o poeta do samba". Ha um problema: aonde ir? ao cinema? Ou talvez à casa do parente que mora aqui adiante onde a televisão ja ingressou. Talvez seja a noite fria de julho, esta sala fechada, enquanto espero minha mulher que se veste, mas percebo, de repente, que a minha vida vai passando... passando apenas. . . irremediavelmente passando... E nem um gesto meu de coragem para a salvar... Nada . . . e a vida passando... que fazer? passando... Nem mesmo qualquer vaga emoção que esta palavra - vida! podia sugerir ...
" Pausa "
Tinha vontade de nesta curva, parar um pouco e te dizer: vamos olhar para trás, vamos ver a paisagem que possuímos, o caminho que fugiu de nossos pés e na pausa, retocar o quadro que parece se esvair se não lhe dermos novas tintas com as nossas lembranças. Temos andado demais, despercebidos de nos mesmos e de tudo, desprezamos as emoções que já, encheram tantas horas e uma sensação de vazio nos vai tomando pelas mãos e vai chegando ao coração como um hálito frio. Vamos para de conversar. Tenho certeza de que ao falarmos sobre nós mesmos revolveremos o calor que permanece e reencontraremos o prazer que nos tem abandonado, neste mundo tão cheio de gente desnecessária e prejudicial ao nosso sonho. Quem como nós tanto andou e de tão longe vem repartindo o mesmo sonho traz certamente no coração o destino da eternidade. " Poema Bilioso "
O fígado - esse infame policial - não me entrega o passaporte para as viagens que eu realizaria... E me obriga, como um condenado, escutar , dia após dia, meus entediados passos sem saída no pátio do presídio Apenas, vez em quando, uma espiadela sobre os altos muros um rápido olhar para vida distante onde os homens e as mulheres sonham e se confundem... Em vão tenho tentando a fuga, ele está sempre presente e me derruba como um policial a cada nova tentativa... Ah! não ter fígado! ter o mundo do ao alcance do sonho, em doze doses de uísque...
" Por Quê ? "
Por que não hei de colher a flor e o fruto com uma só mão ? Por que sempre este duplo gesto, no destino das coisas bipartidas, se sou um só e se és uma somente... Por que serás a flor, hoje serás a flor, e hei de colher o fruto noutro corpo que nunca foi botão ? Ah! se fosses flor e fruto, como outrora, para que pudesse te colher como dantes com o mesmo gesto fiel, e a mesma ânsia... " Presença de Meu Pai " É tudo imprevisto. De repente, sinto meu pai em mim. Este jeito de debruçar na janela era o dele, e era o dele este ar pensativo que tomei, e este pigarro, que até minha mãe reconhece, era o dele, bem sei. É tudo cousa de um segundo: meu pai esta em mim. Esta pensando, esta debruçado na janela, esta no gesto involuntário em que se trai na entonação da minha voz. Esta presente. E eu o vejo, e o sinto - estranhamente e compreendo, de repente, entre surpreso e o incrédulo, que as vezes, eu sou ele, e em verdade sempre nos encontramos no meu gesto, no meu riso, na minha voz, em algum estranho segundo, a sós.
" Quadra "
Paradoxal, asseguro, pode ser que esteja errado... Que pode haver de mais puro que a humildade do pecado?
" Resina "
Hoje acordei incivilizado, e escreveria um poema reacionário contra as máquinas e contra o progresso. Nesta manhã dourada de setembro, enquanto o ônibus me leva, vejo apenas as árvores que correm como crianças à minha passagem, e o céu, coo um sonho adolescente, sem manchas de desejos. Estes estranhos animais que me cercam, a que bufam, e que fazem estranhos ruídos, perturbam a serenidade do meu coração, que hoje sinto, como uma orquídea pendurada no alto ramo, na entre-sombra luminosa da mata exalando o perfume da noite que se evolou. Hoje, meus ouvidos compreenderiam o canto dos pássaros, adivinhariam a linguagem instintiva dos animais felizes que nunca atingirão a consciência da vida e da morte. Meus olhos quedariam deslumbrados diante do tronco que um raio de sol transformou numa palheta de verdes imprevistos, quedariam encantados diante da mesma água imemorial, a me surpreender sempre com a sua pureza que as pedras e a terra não perturbam. Desejaria encontrar-me em colóquio com as coisas e tenho a vaga impressão o pressentimento estranho, de que hoje, seria capaz de desvendar o mistério, e penetrar com a minha ignorância o segredo da beleza inacessível a toda ciência. Hoje me sinto assim, descoberto, como o cerne de um madeiro exposto ao sol intempestivamente, pelo gume do machado que o abateu na floresta, e esta resina que escorre, silenciosa a hialina é a poesia surpreendida em sua sombra e em sua força extravasando o coração da terra. " Salvamento "
Há muito cheguei a esta conclusão antipoética: ou por a bomba debaixo do trilho ou aceitar a apólice de capitalização. Há de parecer estranho, mas cansei de colher a flor na mesa do café, acompanhamento da média ou do chope. Cansei de ouvir o sonho em gravação nos discos de meus poemas frustrados. Abri a minha "Companhia de Capitalização". Renunciei à bomba, sob o trilho, abandonei os cafés e tentarei, como Camões, salvar o poema do naufrágio... " Sem Resposta... "
Vale a pena viver ? Quantas vezes nos surpreendemos na queda dentro da pergunta prosaica. E no entanto somos felizes. E no entanto lançamos nossos galhos para o céu com frutos, flores e espinhos. e mergulhamos no chão com segurança nossas raízes... Que perguntarão diante da vida, nesses momentos os infelizes? " Solilóquio " A poesia chega forte como uma hemoptise. Mancha de vermelho o papel e se transforma em palavra. Vem em golfadas, depois de longos períodos de ausência. Rompe a inércia, abruptamente, como um objeto solto no ar! Oh! a ânsia de não poder contê-la tantas vezes nas palavras, vê-la desperdiçar-se, fugir, entranhar-se no chão, como a água da chuva em terra seca. Pequeninas e insignificantes taças são as palavras de que disponho para servir meu pensamento. Meu Deus! como hei de conseguir conter nestas taças pequeninas, feias e opacas, a torrente sonora e clara que não para, que me afoga? " Teatro "
Na "boite" pintada como uma marafona vulgar encontrei a paisagem que procurava falsa, coo um pepino em um vidro de conserva. E já era tarde demais para tão pouco representar um papel que era o da minha vida perdida: um drama de Shakespeare num palco de guignol ! "Tragédia" Deveríamos ter dito - há quantos anos? - agora que nos amamos, podemos separar-nos para que subsista o amor. Mas não poderíamos adivinhar que fracionaríamos o amor toda vez que nossas mãos se encontrassem, e que o mutilaríamos, ao juntar nossas bocas, e realmente o abateríamos a pouco e pouco, a cada síncope de prazer no delírio da posse. Deveríamos ter dito um ao outro - há quantos anos? - agora que encontramos o amor, permaneçamos em solidão anjos da guarda de nosso sonho - e que ninguém o toque, nem nós mesmos, pois nossos desejos perdulários e nossas ânsias dionisíacas o levarão à perdição. Tivemos um Paraíso - há quantos anos? Hoje caminhamos indecisos, com um gosto amargo nos lábios, - acidulou-se o fruto que era mel - E a solução talvez seja um canto e um balaio gregos em que o amor será uma oferenda, imolado aos deuses por nossas próprias mãos! " Trovas de Amor "
Na despedida, com pressa, escrever me prometeste. . . Esqueceste da promessa ou apenas me esqueceste? Por ironia maior sorriste do meu desgosto, e sepultaste este amor nas covinhas do teu rosto... No carnaval de verdade da Vida, nao tenho nada . . . Quem dera a Felicidade nem que fosse mascarada . . . Fui tudo para este amor belo, puro, cruel, devasso, - fui Pirata, fui Pierrot, fui Arlequim, fui Palhaço . . . Amor que pintou o sete e em Carnaval se resume . . . Foram meus beijos: confeti! Seus beijos: lama-perfume... Trata-me apenas por tu se estamos juntos e a sós . . . Não ponhas este "senhor" tão importuno entre nos . . . Definir a eternidade é fácil, já a defini. . . É o instante de saudade que eu vivo longe de ti... Tu de Escrava, eu de Senhor, - eis as nossas fantasias... E eu, o escravo deste amor fui seu Senhor alguns dias... Amor que tudo promete falso amor das Colombinas . . . Beijos mais beijos: confeti! Baraços de serpentinas... Fantasia eu próprio sou e há um contraste dentro em mim: - carrego um velho Pierrot num atrevido Arlequim . . . O Maria, concebida para ser o meu pecado . . . Nos teus braços, minha vida é um barco desarvorado . . . A essa Maria que passa minha oração já compus: - Maria cheia de graça ! - Maria cheia de luz! Dosado, o ciúme é o tempero que a afeição da mais sabor, mas se chega ao exagero é o pior veneno do amor! Deus pôs no céu três Marias na mesma constelação, e na noite de meus dias mais três, no meu coração.. . Eis como defino o ciúme que tanto nos faz sofrer: - corte de arma cujo game corta fino... e fica a arder... Que nao houve antes de mim outro qualquer me garantes, mas se amas tão bem assim como saber o que houve antes? Este amor nunca se apaga, é chama que me incendeia, é espuma a florir na vaga, é vaga a brincar na areia... Explica-me tu, querida, este absurdo, por favor: - Ser Senhor da tua vida e escravo do teu amor?! São céus e abismos profundos nem eu posso descreve-los: mergulho em teus olhos fundos e me afogo em tens cabelos! Não há remédio: estou doente! É doença este amor por ti . . . Não to esqueço, e justamente por pensar que te esqueci... Louco de amor, te busquei, e ao te encontrar, percebi, - que não fui eu que to achei, eu, sim . . . é que me perdi . . . Moeda de estranho valor que o coração faz cunhar, quanto mais se gasta, o amor, mais se tem para gastar . . . Esquece, amor, meus pecados, tu me disseste a sorrir, se nos meus olhos cerrados só tu me podes possuir . . . Disto, a ninguém deu a palma: - eu te conheço melhor . . . Desnudei-te o corpo, a alma, sei-te, inteirinha, de cor . . . Antes verdade isto fosse dizer que não penso em ti... Mas basta ver-te, e acabou-se! Me esqueço que te esqueci... Louco, aumento esta saudade aqui, sozinho, a sofrer, só pra poder ter vontade de voltar para te ver... Como que tonta, indecisa, presa aos bicos dos teus seios, a tua própria camisa parece que tem receios . . .
Como o quadro na moldura como a rosa no botão, em Deus na criatura - estas no meu coração. Rosas tolas, tão vaidosas, que em belas hastes vicejam... Vem amor, olha estas rosas, quero que as rosas to vejam... Que há de ser esse teu nome que repito sem querer? - Substantivo, Pronome, ou Verbo do meu viver? Se me amas com tal ardor e te dizes amadora, com certeza, meu amor, já nasceste professora... E eis a suprema ironia ao meu coração ferido: - tu foste trair-me um dia, mas com quem? . . . com teu marido ! Ontem, de amor tu morrias, e agora, te sentes farta . . . A saudade que sentias só mata no fim de carta . . . Em contrição te contemplo deusa a quem vou adorar: - meu coração é o teu templo; meu amor, o teu altar! Quis tornar-me um trovador para dizer que ela é minha, mas tudo em vao, - meu amor não coube numa quadrinha. Quem espera, desespera . . . Quem espera, sempre alcança . . . - Ah, meu amor, quem me dera esperar... tendo esperança! Vossos olhos são tão verdes de um verde-mar furta-cor, que afinal, por me perderdes fiquei perdido de amor. Resta um consolo: pensar no amor que juntos colhemos . . . Nem Deus nos pode tirar aquilo que já vivemos! Marias que não tem fim ... . . . das Dores, do Ó, do Socorro . . . A que diz morrer por mim e a Maria por quem morro . . . Eis uma flor que em meu peito mudou de espécie, em verdade: era amor... Amor-perfeito, e acabou sendo Saudade... O trovador! Professor de poesia popular! Com suas trovas de amor o povo aprende a cantar! Sejam de amor ou saudade de tristeza ou de alegria, as trovas são na verdade o ABC da poesia! Ó meu amor, por quem choro louco e cego de desejo... Quanto mais louco, te adoro! Quanto mais cego, te vejo ! Ah, saudade! Se te pego me vingo sem compaixão ! Dou-te esta dor que carrego sozinho no coração! Vi teu retrato . . . Revivo um velho amor que foi meu . . . A saudade é um negativo de foto, que se perdeu . . . Foi um amor de verdade, sei agora, ao ver a flor, - pois esta flor - a saudade - só nasce em cova de amor . . . Teus seios são luas cheias são ondas de um doce mar, parecem feitos de areias nas noites brancas de luar... Longe o amor, quem pode amar? Tudo é inquietude, aflição . . . A saudade e a falta de ar asfixiando o coração . . . Maria Clara, Maria dos Anjos, da Conceigao... E aquela que eu chamaria Maria do coragao. . . Por duas Maria erra meu viver de déo em déo . . . A que me perde, na terra, a que me salva, no céu. . . Ha tantas Marias, tantas, que quantas há eu nem sei. . . Sei que há belas, feias, santas, . . . ...e a Maria que eu amei. . . Ó Marias . . . Repetidas simbolizais a mulher, se há sempre nas nossas vidas uma Maria qualquer . . . Deslumbrada, com certeza, a tua própria camisa ao descobrir-to a beleza para um momento, indecisa . . . A camisa, - quem diria? parece que também sente, e ao descer, te acaricia em dobras, bem lentamente . . . Belos e cheios, marcados por teu decote adivinho teus seios aconchegados como dois pombos num ninho . . . Teus seios nus me entontecem se os tento em vão dominar. . . - São como o vento!... a eles crescem! - São como as ondas do mar! No peito dos marinheiros nasceu, cresceu, emigrou... Mas nos porões dos "negreiros" foi que a saudade. . . chorou! "Matar saudades..." querida é uma expressão tão somente, pois em verdade, na vida, saudade é que mata a gente... Sempre fiel e verdadeira vigia da nossa dor, saudade! companheira dos solitários do amor... Misto de pranto e alegria, sol e chuva, sonho e dor, a saudade é o sol num dia de chuva, - no nosso amor... Meu "terço" feito de trovas que em versos fico a compor, com ele "rezo" e dou provas de meu culto ao teu amor...
" Uma Janela "
Que ao menos uma janela abrisse para o céu onde os saveiros tatuassem seus mastros, suas velas e a fumaça das chaminés desse o tom necessário. E que à noite houvesse um tango sem pátria e se ouvisse a Internacional no porre dos marinheiros... e as mulheres passassem pela rua, displicentes, as mulheres e os cachorros... Que ao menos uma janela não batesse suas asas contra a parede dos fundos de um outro apartamento...
" Uma Janela "
Que ao menos uma janela abrisse para o céu onde os saveiros tatuassem seus mastros, suas velas e a fumaça das chaminés desse o tom necessário. E que à noite houvesse um tango sem pátria e se ouvisse a Internacional no porre dos marinheiros... e as mulheres passassem pela rua, displicentes, as mulheres e os cachorros... Que ao menos uma janela não batesse suas asas contra a parede dos fundos de um outro apartamento...
" Viajante "
Sou assim oscilo como um pêndulo, entre a aventura que o tempo vai frustrando e que a imaginação transfere, para onde? para quando? - e o amor pelo recanto anônimo de minha casa onde meus livros me cercam todos os dias, e onde todas as coisas tem gestos de aconchego à minha entrada. Oscila, entre o ímpeto marinheiro que a vida não destruiu e o tempo não dominou, de abrir velas e partir , para onde? para onde? - e os momentos em que a pausa é um tóxico invencível e me entrego à raízes, ao chão onde me encontro, e me deito satisfeito de olhar o mesmo céu. Oscilo entre o sonho que a imaginação leva, na sensação de partidas que nunca se deram e a emoção da chegada, de uma estranha chegada que encerra alegrias indizíveis sem que nunca tenha partido... Na realidade, estou sempre chegando... por isto, esta alegria do encontro com a paisagem cotidiana, - mas como gostaria de chegar realmente e como seriam as coisas no momento em que voltasse ? Na realidade, estou sempre chegando, mas como gostaria de partir realmente...
" Vício " Tu nunca bates no meu pensamento à hora de entrar. Chegas de repente, invade tudo, e é impossível te expulsar por que já sou eu que te procuro. Não escolhes momento. É na hora séria ou na hora triste, na hora romântica, ou na hora de tédio por mais que me encontres fechado em mim mesmo entras pelo pensamento, - clara fresta, vulnerável às lembranças do teu desejo. E quando chegas assim, estremeço até regiões ignoradas e me levanto, e saio, sonâmbulo, a te buscar e a caminhar a esmo ... Chegas - como uma crise a um asmático, - e então preciso de ti como preciso de ar, e tenho a impressão de que se não te alcanço, se não te encontro, vou morrer, miserável, como um transeunte nas ruas, antes que o socorro chegue para salvá-lo ... Depois que consegues atingir meu pensamento tua posse é uma obsessão, alcançar-te é um suplício ... Teu amor para mim - é humilhante a confissão. não é amor, é vício ... " Zero "
Neste momento, eu nada devia dizer, sinto que a palavra virá amarga e sem anseio. Está certo que vou melhorando, estou vendo a minha sala o bar de espelhos oferecendo doses de esquecimento. Talvez que se acedesse ao seu apelo a palavra viesse leve e sinfonada, como um uísque com soda. Mas estou sentado aqui, e neste momento não compreendo nada, não sei porque tanto esforço e tanto trabalho, para que tapete no chão, quadro na parede, vitrola recheada de música. Sinto-me assim, de repente, como um marinheiro no bar do centésimo porto quando surge a terrível interrogação: afinal, qual a diferença entre o mar e a terra? qual a diferença entre o convés e o bar? Estranho este momento, em que oscilamos numa corda sobre o abismo como se seguíssemos por um largo caminho monótono, sem a vertigem da altura que tanto nos perseguiu.