terça-feira, 8 de maio de 2018

Américo Antony (1895-1970)



Américo Antony (1895-1970)



A FOR DO CRIME

Nos valados sombrios do Negrume,
De árvores tristes gotejando sangue,
A um atro, ascoso, putrefacto mangue
Nasceste, ó Flor com pétalas em gume!

Com punhais, mostrando-os por costume,
Como a serpente venenosa e langue,
Prostas feroz uma ave incauta, e exangue...
Diabólica em furor como o Ciúme!

Que vale antigo de mudez adversa
Tua corola arquitetou perversa
Para tudo matar, tudo ferir?!

És o símbolo aberto da Maldade,
Perfume da atração na Crueldade,
Antros consecutivos morte a abrir!!!



A FLOR DO REFLEXO

Impressão no cristal, no seu sensório
Da Água a imaginação faz colorida
E material, sensível, mais sentida
Da imagem desse olhar fluido, incorpóreo...

Leitura espiritual no espelho arbóreo
Do lago, que duplica o ramo em vida
E a flor em beijo luminoso, ebóreo
Como intangível ilusão vivida!

Ah! seu pudesse recolher-te a forma
E a cor, mais belas, que as do original,
Pelo banho que as deu a água lustral!

Extrair-te em relíquia onde a transforma
Nesse Visível Real... mas, que se alcança
Só pelas Mãos do Sonho e da Esperança!

        

         VITÓRIA-RÉGIA

Nos campos desta lúcidas devesas,
No abismo em flor dos roseirais mais belos,
Eu vim soltar no adeus das correntezas
As almas dos meus rútilos castelos.

E ouvia a voz das líricas Princesas
Num delírio fatal.. frios cutelos
Cerceando os cantos íntimos, realezas
Da Esperança irradiando em setestrelos!

E assim, uma por uma, em paroxismo
As emoções, no resplendente abismo
Lancei-as todas.  Mas, somente a Dor

Não sucumbiu nos vórtices, e egrégia,
Circundada de espinhos, Grande Flor!
Flutuou, viveu... — Era a Vitória-Régia.



         A FLOR DA EXORTAÇÃO

 Calada voz perdida no Passado
Que cantou em penumbras de cristal
Sensíveis sons de luz do que é encantdo
Nos seres todos da Alma Universal:

Secretos luares do silêncio amado
Tão brandos e potentes, que afinal
Os fluidos regem do que foi criado
Da Luz, dos sons, do intrínseco causal:

Revelai-vos, amebas invisíveis
Dos vossos mundo! órgãos de emoções
Do Todo Eterno que voz fez sensíveis

Da sinfonia que se fez correntes
Trazendo o pego à flor, em corações
De originais idiomas transparentes!...




A Ronda dos cisnes


A memória de Heliodoro Balbi


O lago acorda. E a lua se insinua
Entre o palmar que aljôfares desata.
Há um silêncio de cisma na alva lua...
Passam os cisnes... são gôndolas de prata.

O lago é rosa. A aurora ainda mais nua
Abre as carnes de anêmona ao sol louro...
Há um fervor de volúpia que flutua...
Centelham praias... passam os cisnes de ouro...

O lago é rubro. O sol no poente escalda.
É a glória em gozo extremo, ardente exangue...
Safira é o céu. A selva é de esmeralda.
A água é rubi... passam os cisnes de sangue...

Lago violeta – há uma queixa na bruma
Da distância na mágoa e na ansiedade...
É o crepúsculo abrindo em cada espuma
O lilás... passam os cisnes da saudade...

O lago dorme... mas, ferido de açoite
Das trevas, que os relâmpagos percorrem...
Os cisnes voltam negros como a noite,
Cantam na solidão da noite... e morrem.



Natal

A Dor fez uma via inundada de sangue...
A Renúncia construiu um caminho de Luz...
Dor, que sangrou de um Deus crucificado e exangue,
Renúncia, que irradiou dos braços de uma cruz.
Os crimes mais revéis, guardou-os Ele, o Deus Homem
Como urna de cristal recebendo um monturo,
Para tê-los, depois, das penas que os consomem,
Transmudados no céu do Seu ideal mais puro!

Quem recebe tormento e só dá redenção,
Quem ferimentos sofre, e abre-os como sorrisos,
É Esse que a luz da estrela acende ao coração,
É Esse que a infernos faz reflorescer paraísos!

Caminhantes guiou pelas sendas desertas,
E ergueu, entre espinhais, os passos da Paixão,
E fez, da escravidão, almas soltas, libertas
Voar à excelsa paz da glorificação!


Conduzia-as ao céu quando em terra choravam!
Fazia-as reviver a Deus, quando morriam
De dor, sob a ilusão dos gozos que as manchavam
À ignomínia fatal, quando à expiação desciam.

Esse Condão de Luz que os tempos ilumina,
Atrás do qual a humanidade ainda revive,
É a estrela, que, guiando os três Reis Magos, divina
Ainda no coração de cada Angústia vive!

Ainda abre essa esperança aos seres sofredores
Como, de um fundo abismo, - a boca – é um céu aberto!
Como é, ao peregrino, a estrela num deserto,
E a campa secular, - se engrinalda de flores

E a Luz da Redenção fulgiu sobre um presepe
Com a humildade do Amor criando o Mais Divino 
Em desertos, em mar, em selva, em campo, e estepe,
E em tristes ribeirões ao pulso cristalino!

Ele fulgiu do Eterno, e hoje fulge! – é o Natal
Que a lágrima refaz da Eternidade em Luz!...
Vinde ajoelhar comigo ante a Luz Imortal
Que flue com a Redenção, dos olhos de Jesus!






A Eduardo Ribeiro (O Pensador)


Homenagem ao meu amigo Dr. Avelino Pereira

Fizeste a tua chácara num ermo,
Para “pensar” teus planos construtivos.
Porque sabias que o “Silêncio” é o termo
Mais forte, que aos mortais os torna vivos!

Teus atos tais assim tornaste esquivos
Do “brouhaha” burguês do vício enfermo...
Tinhas projetos novos, redivivos,
Sonhavas construções como Palermo!

Vítima nobre de intenções covardes!
Vós, ideais, a morte, de momento
As asas vos abriu para voardes!

E o que ideastes, - é real, é Eterna Flor:
Olha, as sementes do teu pensamento, 
Hoje, ainda vivem, velho “Pensador”!


Igapó

Há uma escura paragem de saudades
Onde a água esconde as tradições amigas...
Onde a água chora umas canções antigas...
Onde a água geme... e é quase divindade.
Lá o rio oculta amplas fadigas,
E as sombras abrem em flor de suavidade,
E espera, e dorme, e sonha a eternidade
De insetos de ouro, e prónubas formigas...
Teto de selva e leito de água e trevas
Onde aves de mil cores bebem alma
Dos beijos nidiquidrópicos da palma...
Estoar de pólen, luz de água lembrando
Retinas mortas... gerações primevas...
Líquidos olhos de pajés boiando...


A Ronda dos cisnes
 À memória de Heliodoro Balbi 


O lago acorda. E a lua se insinua
Entre o palmar que aljôfares desata.
Há um silêncio de cisma na alva lua...
Passam os cisnes... são gôndolas de prata.
O lago é rosa. A aurora ainda mais nua 
Abre as carnes de anêmona ao sol louro...
Há um fervor de volúpia que flutua...
Centelham praias... passam os cisnes de ouro...
O lago é rubro. O sol no poente escalda.
É a glória em gozo extremo, ardente exangue...
Safira é o céu. A selva é de esmeralda. 
A água é rubi... passam os cisnes de sangue...
Lago violeta – há uma queixa na bruma
Da distância na mágoa e na ansiedade...
É o crepúsculo abrindo em cada espuma
O lilás... passam os cisnes da saudade...
O lago dorme... mas, ferido de açoite
Das trevas, que os relâmpagos percorrem...
Os cisnes voltam negros como a noite,
Cantam na solidão da noite... e morrem.



Cigarras

Cigarras que vibrais os tímpanos de prata
Das tardes tropicais, dos cálidos verões
Vós trazeis o sonhar, vós trazeis as canções
Que, mortas teve um dia, o coração da mata

Renovais vossos sons, despertais a sonata!
Prendei, de novo, ao ramo antigo, as ilusões
Onde floriu o amor nas quentes estações,
Onde o sol, resplandecente, o seu calor desata!
Precursoras de um bem, da esperada alegria,
O cantoras de bronze a vibrar noite e dia,
Que morres quando morre esta querida estância.

Filhas do som, da paz, cantai, núncias da flora!...
Ah!, quem me dera ouvir, mesmo de longe, agora
No inverno da minha alma as cigarras da infância!