domingo, 19 de abril de 2015

CAROLINA MARIA DE JESUS

A Rosa
Eu sou a flor mais formosa
Disse a rosa
Vaidosa!
Sou a musa do poeta.

Por todos su contemplada
E adorada.

A rainha predileta.
Carolina Maria de Jesus - foto: (...)
Minhas pétalas aveludadas
São perfumadas
E acariciadas.

Que aroma rescendente:
Para que me serve esta essência,
Se a existência
Não me é concernente...

Quando surgem as rajadas
Sou desfolhada
Espalhada
Minha vida é um segundo.
Transitivo é meu viver
De ser...
A flor rainha do mundo.
Carolina Maria de Jesus, em "Antologia pessoal". (Organização José Carlos Sebe Bom Meihy). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.


Dá-me as rosas 
No campo em que eu repousar 
Solitária e tenebrosa 
Eu vos peço para adornar 
O meu jazigo com as rosas 

As flores são formosas 
Aos olhos de um poeta 
Dentre todas são as rosas 
A minha flor predileta 

Se a afeiçoares aos versos inocentes 
Que deixo escritos aqui 
E quiseres ofertar-me um presente 
Dá-me as rosas que pedi. 

Agradeço-lhe com fervor 
Desde já o meu obrigado 
Se me levares esta flor 
No dia dos finados. 
- Carolina Maria de Jesus, em "Antologia pessoal". (Organização José Carlos Sebe Bom Meihy). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p.169.


Humanidade
Depôis de conhecer a humanidade
suas perversidades
suas ambições
Eu fui envelhecendo
E perdendo
as ilusões
o que predomina é a
maldade
porque a bondade:
Ninguem pratica
Humanidade ambiciosa
E gananciosa
Que quer ficar rica!
Quando eu morrer...
Não quero renascer
é horrivel, suportar a humanidade
Que tem aparência nobre
Que encobre
As pesimas qualidades

Notei que o ente humano
É perverso, é tirano
Egoista interesseiros
Mas trata com cortêzia
Mas tudo é ipocresia
São rudes, e trapaçêiros
- Carolina Maria de Jesus,  em "Meu estranho diário". São Paulo: Xamã, 1996. (grafia original)

Carolina Maria de Jesus autografando
seu livro O Quarto de Despejo, 1960
[Muitas fugiam ao me ver]
Muitas fugiam ao me ver
Pensando que eu não percebia
Outras pediam pra ler
Os versos que eu escrevia

Era papel que eu catava
Para custear o meu viver
E no lixo eu encontrava livros para ler
Quantas coisas eu quiz fazer
Fui tolhida pelo preconceito
Se eu extinguir quero renascer
Num país que predomina o preto

Adeus! Adeus, eu vou morrer!
E deixo esses versos ao meu país
Se é que temos o direito de renascer
Quero um lugar, onde o preto é feliz.
- Carolina Maria de Jesus, em "Antologia pessoal". (Organização José Carlos Sebe Bom Meihy). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.


Sonhei 
Sonhei que estava morta 
Vi um corpo no caixão 
Em vez de flores eram Iivros 
Que estavam nas minhas mãos 
Sonhei que estava estendida 
No cimo de uma mesa 
Vi o meu corpo sem vida 
Entre quatro velas acesas 

Ao lado o padre rezava 
Comoveu-me a sua oração 
Ao bom Deus ele implorava 
Para dar-me a salvação 
Suplicava ao Pai Eterno 
Para amenizar o meu sofrimento 
Não me enviar para o inferno 
Que deve ser um tormento 

Ele deu-me a extrema-unção 
Quanta ternura notei 
Quando foi fechar o caixão 
Eu sorri... e despertei. 
- Carolina Maria de Jesus, em "Antologia pessoal". (Organização José Carlos Sebe Bom Meihy). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996, p.174.


Quarto de Despejo 
Quando infiltrei na literatura 
Sonhava so com a ventura 
Minhalma estava chêia de hianto 
Eu nao previa o pranto. Ao publicar o Quarto de Despejo 
Concretisava assim o meu desejo. 
Que vida. Que alegria. 
E agora... Casa de alvenaria. 
Outro livro que vae circular 
As tristêsas vão duplicar. 
Os que pedem para eu auxiliar 
A concretisar os teus desejos 
Penso: eu devia publicar... 
– o ‘Quarto de Despejo’. 

No início vêio adimiração 
O meu nome circulou a Nação. 
Surgiu uma escritora favelada. 
Chama: Carolina Maria de Jesus. 
E as obras que ela produz 

Deixou a humanidade habismada 
No início eu fiquei confusa. 
Parece que estava oclusa
Num estôjo de marfim.
Eu era solicitada 
Era bajulada. 
Como um querubim. 

Depôis começaram a me invejar. 
Dizia: você, deve dar 
Os teus bens, para um assilo 
Os que assim me falava 
Não pensava. 
Nos meus filhos. 

As damas da alta sociedade. 
Dizia: praticae a caridade. 
Doando aos pobres agasalhos. 
Mas o dinheiro da alta sociedade 
Não é destinado a caridade 
É para os prados, e os baralhos 

E assim, eu fui desiludindo 
O meu ideal regridindo 
Igual um côrpo envelhecendo. 
Fui enrrugando, enrrugando... 
Petalas de rosa, murchando, murchando 
E... estou morrendo! 

Na campa silente e fria 
Hei de repousar um dia... 
Não levo nenhuma ilusão 
Porque a escritora favelada 
Foi rosa despetalada. 
Quantos espinhos em meu coração. 
Dizem que sou ambiciosa 
Que não sou caridosa. 
Incluiram-me entre os usurários 
Porque não critica os industriaes 
Que tratam como animaes. 
– Os operários... 
- Carolina Maria de Jesus, em "Meu estranho diário". São Paulo: Xamã, 1996, p. 151-153. (grafia original)

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