quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

SARTRE







"Que é escrever?", por Jean-Paul Sartre.


"Fala-se, por exemplo, em linguagem das flores. Mas depois de estabelecido um acordo, se as rosas brancas para mim significam “fidelidade”, é que deixei de vê-las como rosas: meu olhar as atravessa para mirar, além delas, essa virtude abstrata; eu as esqueço, não dou atenção ao seu desabrochar aveludado, ao seu doce perfume estagnado; não chego sequer a percebê-las. Isso significa que não me comportei como artista. Para o artista, a cor, o aroma, o tinido da colher no pires são coisas em grau máximo; ele se detém na qualidade do som ou da forma, retoma a elas mil vezes, maravilhado; é essa cor-objeto que irá transportar para a tela, e a única modificação por que a fará passar é transformá-la em objeto imaginário. Ele está, portanto, muito longe de considerar as cores e os sons como uma linguagem [1]. O que vale para os elementos da criação artística vale também para as suas combinações: o pintor não deseja traçar signos sobre a tela, quer criar [2] alguma coisa; e se aproxima o vermelho do amarelo e do verde, não há razão alguma para que o conjunto possua um significado definível, isto é, para que remeta especificamente a algum outro objeto. Sem dúvida esse conjunto também é habitado por uma alma, e já que o pintor teve motivos, mesmo que ocultos, para escolher o amarelo e não o violeta, pode-se sustentar que os objetos assim criados refletem as suas tendências mais profundas. Só que jamais exprimiriam sua cólera, sua angústia ou sua alegria do mesmo modo que o fariam as palavras ou a expressão de um rosto; estão impregnados disso tudo; e por terem penetrado nessas cores, que por si mesmas já possuíam algo como um sentido, as suas emoções se embaralham e se obscurecem; ali ninguém será capaz de identificá-las com clareza. Aquele rasgo amarelo no céu. sobre o Gólgota, Tintoretto não o escolheu para significar angústia, nem para provocá-la;· ele é angústia, e céu amarelo ao mesmo tempo. Não céu de angústia, nem céu angustiado; é uma angústia feita coisa, uma angústia que se transformou num rasgo amarelo do céu, e assim foi submersa, recoberta pelas qualidades próprias das coisas, pela sua impermeabilidade, pela sua extensão, pela sua permanência cega, pela sua exterioridade e por essa infinidade de relações que elas mantêm com as outras coisas; vale dizer, a angústia deixou de ser legível, é como um esforço imenso e vão, sempre interrompido a meio caminho entre o céu e a terra, para exprimir aquilo que sua natureza lhes proíbe exprimir. Do mesmo modo, o significado de uma melodia – se é que neste caso ainda se pode falar de significado – não é nada mais que a própria melodia, ao contrário das idéias, que podem ser traduzi­ das adequadamente de diversas maneiras. Diga que a melodia é alegre ou sombria; ela estará sempre além ou aquém de tudo quase possa dizer a seu respeito. Não porque o artista tenha paixões mais ricas ou mais variadas, mas porque suas paixões, que talvez estejam na origem do tema inventado, ao se incorporarem às notas, sofreram uma transubstanciação e uma degradação. Um grito de dor é sinal da dor que o provoca." 



 Que é escrever?


Jean-Paul Sartre.*

Nós não queremos “engajar também” a pintura, a escultura e a música, pelo menos não da mesma maneira. E por que haveríamos de querer? Quando um escritor dos sé­culos passados expressava uma opinião sobre seu ofício, por acaso se exigia dele que a aplicasse às outras artes? Mas hoje é elegante “falar de pintura”, no jargão do músico ou do li­terato, ou “falar de literatura”, no jargão do pintor, como se no fundo só existisse uma única arte, exprimindo-se indiferen­temente em qualquer dessas linguagens, à maneira da substância spinozista, que cada um de seus atributos reflete com ade­quação. Pode-se encontrar, sem dúvida, na origem de toda vocação artística, uma certa escolha indiferenciada que as circunstâncias, a educação e o contato com o mundo só mais tarde irão particularizar. Também não há dúvida de que as artes de uma mesma época se influenciam mutuamente e são condicionadas pelos mesmos fatores sociais. Mas aqueles que que­rem provar o absurdo de uma teoria literária mostrando que ela é inaplicável à música devem antes provar que as artes são paralelas. Ora, esse paralelismo não existe. Aqui, como em tudo o mais, não é apenas a forma que diferencia, mas também a matéria; uma coisa é trabalhar com sons e cores, outra é expressar-se com palavras. As notas, as cores, as formas não são signos, não remetem a nada que lhes seja exterior. Sem dúvida, é impossível reduzi-las estritamente a si mesmas, e a idéia de som puro, por exemplo, é uma abstração; como demonstrou muito bem Merleau-Ponty na Phénoménologie de la perception [Fenomenologia da percepção] , não existe qualida­de ou sensação tão despojadas que não estejam impregnadas de significação. Mas o pequeno sentido obscuro que as habi­ta, leve alegria, tímida tristeza, lhes é imanente ou tremula ao seu redor como um halo de calor; esse sentido obscuro é cor ou som. Quem poderia distinguir o verde-maçã de sua ácida alegria? E já não será excessivo dizer “a alegria ácida do verde-maçã”? Há o verde, há o vermelho, e basta; são coisas, existem por si mesmas. É verdade que se pode conferir-lhes, por convenção, o valor de signos. Fala-se, por exemplo, em linguagem das flores. Mas depois de estabelecido um acordo, se as rosas brancas para mim significam “fidelidade”, é que deixei de vê-las como rosas: meu olhar as atravessa para mirar, além delas, essa virtude abstrata; eu as esqueço, não dou atenção ao seu desabrochar aveludado, ao seu doce perfume estagnado; não chego sequer a percebê-las. Isso significa que não me comportei como artista. Para o artista, a cor, o aroma, o tinido da colher no pires são coisas em grau máximo; ele se detém na qualidade do som ou da forma, retoma a elas mil vezes, maravilhado; é essa cor-objeto que irá transportar para a tela, e a única modificação por que a fará passar é transformá-la em objeto imaginário. Ele está, portanto, muito longe de considerar as cores e os sons como uma linguagem [1]. O que vale para os elementos da criação artística vale também para as suas combinações: o pintor não deseja traçar signos sobre a tela, quer criar [2] alguma coisa; e se aproxima o vermelho do amarelo e do verde, não há razão alguma para que o conjunto possua um significado definível, isto é, para que remeta especificamente a algum outro objeto. Sem dúvida esse conjunto também é habitado por uma alma, e já que o pintor teve motivos, mesmo que ocultos, para escolher o amarelo e não o violeta, pode-se sustentar que os objetos assim criados refletem as suas tendências mais profundas. Só que jamais exprimiriam sua cólera, sua angústia ou sua alegria do mesmo modo que o fariam as palavras ou a expressão de um rosto; estão impregnados disso tudo; e por terem penetrado nessas cores, que por si mesmas já possuíam algo como um sentido, as suas emoções se embaralham e se obscurecem; ali ninguém será capaz de identificá-las com clareza. Aquele rasgo amarelo no céu. sobre o Gólgota, Tintoretto não o escolheu para significar angústia, nem para provocá-la;· ele é angústia, e céu amarelo ao mesmo tempo. Não céu de angústia, nem céu angustiado; é uma angústia feita coisa, uma angústia que se transformou num rasgo amarelo do céu, e assim foi submersa, recoberta pelas qualidades próprias das coisas, pela sua impermeabilidade, pela sua extensão, pela sua permanência cega, pela sua exterioridade e por essa infinidade de relações que elas mantêm com as outras coisas; vale dizer, a angústia deixou de ser legível, é como um esforço imenso e vão, sempre interrompido a meio caminho entre o céu e a terra, para exprimir aquilo que sua natureza lhes proíbe exprimir. Do mesmo modo, o significado de uma melodia – se é que neste caso ainda se pode falar de significado – não é nada mais que a própria melodia, ao contrário das idéias, que podem ser traduzi­ das adequadamente de diversas maneiras. Diga que a melodia é alegre ou sombria; ela estará sempre além ou aquém de tudo quase possa dizer a seu respeito. Não porque o artista tenha paixões mais ricas ou mais variadas, mas porque suas paixões, que talvez estejam na origem do tema inventado, ao se incorporarem às notas, sofreram uma transubstanciação e uma degradação. Um grito de dor é sinal da dor que o provoca.

Mas um canto de dor é ao mesmo tempo a própria dor e uma outra coisa que não a dor. Ou, se se quiser adotar o vocabulário existencialista, é uma dor que não existe mais, é uma dor que é. Mas, dirá você, e se o pintor fizer casas? Pois bem, precisamente, ele as faz, isto é, cria uma casa imaginária sobre a tela, e não um signo de casa. E a casa assim manifesta conserva toda a ambigüidade das casas reais. O escritor pode dirigir o leitor e, se descreve um casebre, mostrar nele o símbolo das injustiças sociais, provocar nossa indignação. Já o pintor é mu­do: ele nos apresenta um casebre, só isso; você pode ver nele o que quiser. Essa choupana nunca será o símbolo da miséria; para isso seria preciso que ela fosse signo, mas ela é coisa. O mau pintor procura o tipo, pinta o Árabe, a Criança, a Mulher; o bom pintor sabe que o Árabe e o Proletário não existem, nem na realidade, nem na sua tela; ele propõe um operário deter­ minado operário. E o que pensar de um operário? Uma infinidade de coisas contraditórias. Todos os pensamentos, todos os sentimentos estão ali, aglutinados sobre a tela, em indiferenciação profunda; cabe a você escolher. Artistas bem intencionados já tentaram comover; pintaram longas filas de operários aguardando na neve uma oferta de trabalho, os rostos esquálidos dos desempregados, os campos de batalha. Não comoveram mais que Greuze com seu Filho pródigo. E O massacre de Guernica, essa obra-prima, alguém acredita que ela tenha conquista­ do um só coração à causa espanhola? Contudo, alguma coisa foi dita que não se poderá jamais ouvir e que exigiria uma infinidade de palavras para expressar. Os esguios Arlequins de Picasso, ambíguos e eternos, possuídos por um sentido indecifrável, inseparável da sua magreza arqueada e dos losangos desbotados de seus trajes, são uma emoção que se fez carne e que a carne absorveu como o mata-borrão absorve a tinta, uma emoção irreconhecível, perdida, estranha para si mesma, esquartejada e espalhada pelos quatro cantos do espaço e, no entanto, presente. Não duvido de que a caridade ou a cólera possam produzir outros objetos, mas neles elas ficarão atoladas da mesma forma; perderão o seu significado, restarão apenas coisas habitadas por uma alma obscura. Não se pintam significados, não se transformam significados em música; sendo assim, quem ousaria exigir do pintor ou do músico que se engajem?

O escritor, ao contrário, lida com os significados. Mas cabe distinguir: o império dos signos é a prosa; a poesia está lado a lado com a pintura, a escultura, a música. Acusam-me de detestar a poesia: a prova, dizem, é que Les Temps Moder nes raramente publica poemas. Ao contrário, isso prova que nós a amamos. Para se convencer disso, basta ver a produção contemporânea. ”Pelo menos a ela”, dizem os críticos em triunfo, “você não pode nem sonhar em engajar”. De fato. Mas por que haveria eu de querer fazê-lo? Porque ela se serve de Palavras, como a prosa? Mas ela não o faz da mesma maneira; na verdade, a poesia não se serve de palavras; eu diria antes que ela as serve. Os poetas são homens que se recusam a utilizar a linguagem. Ora, como é na linguagem e pela linguagem, concebida como uma espécie de instrumento, que se opera a busca da verdade, não se deve imaginar que os poetas pretendem discernir o verdadeiro, ou dá-lo a conhecer. Eles tampouco aspiram a nomear o mundo, e por isso não nomeiam nada, pois a nomeação implica um perpétuo sacrifício do no­ me ao objeto nomeado, ou, para falar como Hegel, o nome se revela inessencial diante da coisa  esta, sim, essencial. Os poetas não falam, nem se calam: trata-se de outra coisa. Diz-se que eles pretendiam destruir o verbo por meio de acasalamentos monstruosos, mas isso é falso; seria preciso que já estivessem lançados no meio da linguagem utilitária e procurassem retirar daí as palavras em pequenos grupos singulares. como, por exemplo, “cavalo” e “manteiga”, escrevendo “cavalo de manteiga” [3]. Além de tal empreendimento demandar um tempo infinito, não seria concebível manter-se no plano do projeto utilitário, considerando as palavras como instrumentos e, ao mesmo tempo, querer retirar delas sua utensilidade. Na verdade, o poeta se afastou por completo da linguagem-instrumento; escolheu de uma vez por todas a atitude poética que considera as palavras como coisas e não como signos. Pois a ambigüidade do signo implica que se possa, a seu bel­ prazer, atravessá-lo como a uma vidraça, e visar através dele a coisa significada, ou voltar o olhar para a realidade do signo e considerá-lo como objeto. O homem que fala está além das palavras, perto do objeto; o poeta está aquém. Para o primei­ro, as palavras são domésticas; para o segundo, permanecem no estado selvagem. Para aquele, são convenções úteis, instrumentos que vão se desgastando pouco a pouco e são jogados fora quando não servem mais; para o segundo, são coisas naturais que crescem naturalmente sobre a terra, como a relva e as árvores.

Mas se o poeta se detém nas palavras, como o pintor nas cores ou o músico nos sons, isso não quer dizer que aos seus olhos elas tenham perdido todo o significado; de fato, somente o significado pode conferir às palavras a sua unidade verbal ;sem ele, os vocábulos se dispersariam em sons ou em traços de pena. Só que também ele se torna natural; deixa de ser a meta sempre fora de alcance e sempre visada pela transcendência humana; é uma propriedade de cada termo, análoga à expressão de um rosto, ao pequeno sentido, triste ou alegre, dos sons e das cores. Fundido à palavra, absorvi­ do pela sua sonoridade ou pelo seu aspecto visual, adensado, degradado, o significado também é coisa, incriada, eterna; para o poeta, a linguagem é uma estrutura do mundo exterior. O falante está em situação na linguagem, investido pelas palavras; são os prolongamentos de seus sentidos, suas pinças, suas antenas, seus óculos; ele as manipula a partir de dentro, sente-as como sente seu corpo, está rodeado por um corpo verbal do qual mal tem consciência e que estende sua ação sobre o mundo. O poeta está fora da linguagem, vê as palavras do avesso, como se não pertencesse à condição humana, e, ao dirigir-se aos homens, logo encontrasse a palavra como uma barreira. Em vez de conhecer as coisas antes por seus nomes, parece que tem com elas um primeiro contato silencioso e, em seguida, voltando-se para essa outra espécie de coisas que são, para ele, as palavras, tocando-as, tateando-as, palpando-as, nelas descobre uma pequena luminosidade própria e afinidades particulares com a terra, o céu; a água e todas as coisas criadas. Não sabendo servir-se da palavra como signo de um aspecto do imundo, vê nela a imagem de um esses aspectos. E a imagem verbal que ele escolhe por sua semelhança com o salgueiro ou o freixo não é necessariamente a palavra que nós utilizamos para designar esses objetos. Como ele já está fora, as palavras não lhe servem de indicadores , que o lancem para fora de si mesmo, para o meio das coisas; em vez disso, considera-as como uma armadilha para capturar uma realidade fugaz; em suma, a linguagem inteira é, para ele, o Espelho do mundo. Em consequência, importantes mudanças se operam na economia interna da palavra. Sua sonoridade, sua extensão, suas desinências masculinas ou femininas, seu aspecto visual, tudo isso junto compõe para ele um rosto carnal, que antes representa do que expressa o significado. Inversamente, como o significado é realizado, o aspecto físico da palavra se reflete nele, e o significado funciona, por sua vez, como imagem do corpo verbal. E também como seu signo, pois perdeu a preeminência, e já que as palavras são incriadas, com as coisas, o poeta não decide se aquelas existem em função destas, ou estas em função daquelas. Estabelece­ se assim, entre a palavra e a coisa significada, uma dupla relação recíproca de semelhança mágica e de significado. E como o poeta não utiliza a palavra, não escolhe entre acepções diversas, e cada uma delas, em vez de apresentar-se como função autônoma, se dá a ele como qualidade material que se funde, sob os’ seus olhos, com as demais acepções. Assim realiza ele em cada palavra, tão-somente graças à atitude poética, as metáforas com que sonhava Picasso quando desejava fazer uma caixa de fósforos que fosse inteiramente morcego sem deixar de ser caixa de fósforos. Florença é cidade e flor e mulher, é cidade-flor e cidade-mulher e donzela-flor ao mesmo tempo. E o estranho objeto que assim aparece possui a liquidez do fluir do rio, o doce e fulvo ardor do ouro e, por fim, se abandona com decência e prolonga indefinidamente, pelo enfraquecimento contínuo do a final átono, seu desabrochar pleno de recato. A isso se agrega o esforço insidioso da biografia. Para mim, Florence é também uma certa mulher, uma atriz americana que atuava nos filmes mudos da minha infância e de quem esqueci tudo, salvo que era esguia como uma longa luva de baile e sempre um pouco entediada e sempre casta, sempre casada e incompreendida, e que eu a amava, e que se chamava Florence. Pois a palavra, que arranca o prosador de si mesmo e o lança no meio do mundo, devolve ao poeta, como um espelho, a sua própria imagem. É o que justifica o duplo empreendimento de Leiris, que, de um lado, em seu Glossaire, procura dar a certas palavras uma definição poética, isto é, que seja por si mesma uma síntese de implicações recíprocas entre o corpo sonoro e a alma verbal, e, de outro lado, numa obra ainda inédita, se lança em busca do tempo perdido, tomando como ponto de referência algumas palavras particular­ mente carregadas, para ele, ele afetividade. Assim, a palavra poética é um microcosmo. A crise da linguagem que eclodiu no início deste século é uma crise poética. Quaisquer que tenham sido os seus fatores sociais e históricos, ela se manifestou por acessos ele despersonalização elo escritor em face elas palavras. Este não sabia mais como se servir delas e, segundo a célebre fórmula de Bergson, só as reconhecia pela metade; abordava­ as com um sentimento ele estranheza extremamente frutífero· elas não mais eram dele, não mais eram ele; mas nesses espelhos estranhos se refletiam o céu, a terra e a sua própria vida; finalmente, elas se tornavam as próprias coisas, ou melhor, o negro coração elas coisas. E quando o poeta junta vários desses microcosmos, dá-se com ele o mesmo que se dá com os pintores quando juntam cores sobre a tela; dir-se-ia que ele compõe uma frase, mas é só aparência; ele cria um objeto. As palavras­ coisas se agrupam por associações mágicas ele conveniência ou desconveniência, como as cores e os sons· elas se atraem se repelem, se queimam e sua associação compõe a verdadeira unidade poética que é a frase-objeto. Com mais freqüência ainda, o poeta já tem no espírito o esquema da frase, e as palavras vêm em seguida. Mas esse esquema não tem nada em comum com aquilo que de ordinário se chama esquema verbal: não preside à construção ele um significado; aproxima-se antes elo projeto criador através do qual Picasso prefigura no espaço, antes mesmo ele tocar o pincel, essa coisa que se tornará um saltimbanco ou um Arlequim.
Fugir, longe fugir, eu sinto as aves ébrias/ Mas ouve, ó coração, o canto dos marujos.
Esse “mas”, que se ergue qual monolito no limiar da frase, não liga o verso anterior ao verso seguinte. Colore-o de certa nuança reservada, ele um “ensimesmar-se” que o penetra por inteiro. Do mesmo modo, certos poemas começam por “e”. Essa conjunção não é mais, para o espírito, a marca ele uma operação a efetuar: ela se estende por todo o parágrafo, para conferir-lhe a qualidade absoluta ele uma continuação. Para o poeta, a frase tem uma tonalidade, um gosto; ele degusta, através dela, e por si mesmos, os sabores irritantes da objeção, ela reserva, ela disjunção; ele os leva ao absoluto e faz desses sabores propriedades reais da frase; esta se torna por inteiro uma objeção, sem ser objeção a nada em particular. Voltamos a deparar aqui com as relações de implicação recíproca já assinaladas há pouco entre a palavra poética e o seu sentido: o conjunto das palavras escolhidas funciona como imagem. ela nuança interrogativa ou restritiva e, inversamente, a interrogação é imagem do conjunto verbal que ela delimita.

Como nestes versos admiráveis:
Ó estações! Ó castelos!/ Que alma é sem defeito?
Ninguém é interrogado, ninguém interroga: o poeta está ausente. E a interrogação não comporta resposta ou, antes, ela é a sua própria resposta. Será, portanto, uma falsa interrogação? Mas seria absurdo crer que Rimbaud “quis dizer” que todo mundo tem seus defeitos. Como dizia Breton acerca ele Saint-Pol Roux: “Se ele quisesse dizer, teria dito”. Tampouco quis dizer outra coisa. Fez uma interrogação absoluta; conferiu à bela palavra “alma” uma existência interrogativa. Eis a interrogação tornada coisa, tal como a angústia ele Tintoretto se tornou céu amarelo. Não é mais um significado, é uma substância; é vista de fora, e Rimbaud nos convida a vê-la ele fora com ele; sua estranheza vem elo fato de que nos colocamos, para considerá-la, do outro lado ela condição humana; elo lado ele Deus.

Se assim é, compreende-se facilmente a tolice que seria exigir um engajamento poético. Sem dúvida a emoção, a própria paixão – e por que não a cólera, a indignação social, o ódio político – estão na origem do poema. Mas não se exprimem nele, como num panfleto ou numa confissão. À medida que o prosador expõe sentimentos, ele os esclarece; o poeta, ao contrário, quando vaza suas paixões em seu poema, deixa de reconhecê-las; as palavras se apoderam delas, ficam impregnadas por elas e as metamorfose iam; não as significam, mesmo aos seus olhos. A emoção se tornou coisa, passou a ter a opacidade das coisas; é turvada pelas propriedades ambíguas dos vocábulos em que foi confinada. E, sobretudo, há sempre muito mais em cada frase, em cada verso, como no céu amarelo acima do Gólgota há mais que uma simples angústia. A palavra, a frase”coisa, inesgotáveis como coisas, extravasam por toda parte o sentimento que as suscitou. Como esperar que o poeta provoque a indignação ou o entusiasmo político do leitor quando, precisamente, ele o retira da condição humana e o convida a considerar, com os olhos de Deus, o avesso da linguagem?

“Você está esquecendo”, alguém dirá, “os poetas da Resistência. Você está esquecendo Pierre Emmanuel”.

Mas não; eu ia justamente citá-los para endossar o meu argument0 [4].

Mas o fato de ao poeta ser vedado engajar-se será razão suficiente para dispensar o prosador de fazê-lo? Que há de comum entre eles? O prosador escreve, é verdade, e o poeta também. Mas entre esses dois atos de escrever não há nada em comum senão o movimento da mão que traça as letras. Quanto ao mais, seus universos permanecem incomunicáveis, e o que vale para um não vale para o outro. A prosa é utilitária por essência; eu definiria de bom grado o prosador como um homem que se serve das palavras. Monsieur Jourdain fazia prosa para pedir seus chinelos, e Hitler, para declarar guerra à Polônia. O escritor é um falador; designa, demonstra, ordena, recusa, interpela, suplica, insulta, persuade, insinua. Se o faz no vazio, nem por isso se torna poeta: é um prosador que fala para não dizer nada. Já vimos suficientemente a linguagem pelo avesso; convém agora considerá-la do lado direito [5].

A arte da prosa se exerce sobre o discurso, sua matéria é naturalmente significante: vale dizer, as palavras não são, de início, objetos, mas designações de objetos. Não se trata de saber se elas agradam ou desagradam por si próprias, mas’ sim se indicam corretamente determinada coisa do mundo ou determinada noção. Assim, acontece com freqüência que nos encontremos de posse de determinada idéia que nos foi comunicada por palavras, sem que nos possamos lembrar de uma só das palavras que a transmitiram. A prosa é antes de mais nada uma atitude do espírito; há prosa quando, para falar como Valéry, nosso olhar atravessa a palavra como o sol ao vidro. Quando se está em perigo ou dificuldade, empunha-se um instrumento qualquer. Passada a dificuldade, nem nos lembramos mais se foi um martelo ou um pedaço de lenha. Aliás, nem chegamos à sabê-lo: faltava apenas um prolongamento do nosso corpo, um meio de estender a mão até o galho mais alto; era um sexto dedo, uma terceira perna- em suma, uma pura função que assimilamos. Assim a linguagem: ela é nossa carapaça e nossas antenas, protege-nos contra os outros e informa-nos a respeito deles, é um prolongamento dos nossos sentidos. Estamos na linguagem como em nosso corpo; nós a sentimos espontaneamente ultrapassando-a em direção a outros fins, tal como sentimos as nossas mãos e os nossos pés; percebemos a linguagem quando é o outro que a emprega, as­ sim como percebemos os membros alheios. Existe a palavra vivida e a palavra encontrada. Mas nos dois casos isso se dá no curso de uma atividade, seja de mim sobre os outros, seja do outro sobre mim. A fala é um dado momento particular da ação e não se compreende fora dela. Sabemos que certos afásicos perdem a possibilidade de agir, de entender as situações, de manter relações normais com o sexo oposto. No seio dessa apraxia, a destruição da linguagem parece apenas o desmoronamento de uma das estruturas: a mais fina e mais aparente. E se a prosa não é senão o instrumento privilegiado de certa atividade, se só ao poeta cabe contemplar as palavras de maneira desinteressada, temos o direito de perguntar ao prosador antes de mais nada: com que finalidade você escreve? Em que empreendimento você se lançou e por que necessita ele do recurso à escrita? E em caso algum esse empreendimento poderia ter como finalidade a pura contemplação. Pois a intuição é silêncio e a finalidade da linguagem é comunicar. O prosador pode, sem dúvida, fixar os resultados da intuição, mas nesse caso bastarão algumas palavras atiradas às pressas no papel: o autor sempre se reconhecerá nelas. Se as palavras se articulam em frases, com uma preocupação pela clareza, é preciso que intervenha uma decisão estranha à intuição, à própria linguagem: a decisão de comunicar aos outros os resultados obtidos. Em cada caso, é essa a decisão que cabe questionar. E o bom senso, que os nossos doutos tão facilmente esquecem, não se cansa de repeti-lo. Pois não é costume colocar para todos os jovens que se propõem a escrever esta questão de princípio: “Você tem alguma coisa a dizer?'” Por aí deve-se entender: alguma coisa que valha a pena ser comunicada. Mas como compreender o que ”vale a pena”, se­ não recorrendo a um sistema de valores transcendente?

Aliás, se considerarmos apenas essa estrutura secundária do empreendimento que é o momento verbal, o grave erro dos estilistas puros é acreditar que a fala é apenas um zéfiro que perpassa ligeiramente a superfície das coisas, que as aflora sem alterá-las. E que o falante é pura testemunha que resume numa palavra sua contemplação inofensiva. Falar é agir; uma coisa nomeada não é mais inteiramente a mesma, perdeu a sua inocência. Nomeando a conduta de um indivíduo, nós a revelamos a ele; ele se vê. E como ao mesmo tempo a nomeamos para todos os outros, no momento em que ele se vê, sabe que está sendo visto; seu gesto furtivo, que dele passava despercebido, passa a existir enormemente, a existir para todos, integra-se no espírito objetivo, assume dimensões novas, é recuperado. Depois disso, como se pode querer que ele con­tinue agindo da mesma maneira? Ou irá perseverar na sua con­duta por obstinação, e com conhecimento de causa, ou irá aban­doná-la. Assim, ao falar, eu desvendo a situação por meu próprio projeto de mudá-la; desvendo-a a mim mesmo e aos outros, para mudá-la; atinjo-a em pleno coração, transpasso-a e fi­xo-a sob todos os olhares; passo a dispor dela; a cada palavra que digo, engajo-me um pouco mais no mundo e, ao mesmo tempo, passo a emergir dele um pouco mais, já que o ultrapas­so na direção do porvir. Assim, o prosador é um homem que escolheu determinado modo de ação secundária, que se pode­ ria chamar de ação por desvendamento. É legítimo, pois, propor-lhe esta segunda questão: que aspecto do mundo você quer desvendar, que mudanças quer trazer ao mundo por es­se desvendamento? O escritor “engajado” sabe que a palavra é ação: sabe que desvendar é mudar e que não se pode desven­dar senão tencionando mudar. Ele abandonou o sonho impossível de fazer uma pintura imparcial da Sociedade e da condição humana. O homem é o ser em face de quem nenhum outro ser pode manter a imparcialidade, nem mesmo Deus. Pois Deus, se existisse, estaria, como bem viram certos místicos, em situação em relação ao homem. E é também o ser que não pode sequer ver uma situação sem mudá-la, pois o seu olhar imobiliza, destrói, ou esculpe, ou, como faz a eternidade, trans­ forma o objeto em si mesmo. É no amor, no ódio, na cólera, no medo, na alegria, na indignação, na admiração, na esperan­ça, no desespero que o homem e o mundo se revelam em sua verdade. Sem dúvida, o escritor engajado pode ser medíocre, pode ter até mesmo consciência de sê-lo, mas como não seria possível escrever sem o propósito de fazê-lo do melhor modo, a modéstia com que ele encara a sua obra não deve desviá-lo da intenção de construí-la como se ela devesse atingir a máxi­ma ressonância. Nunca deve dizer: “Bem, terei no máximo três mil leitores”; mas sim, “o que aconteceria se todo o mundo lesse o que eu escrevo?” Ele se lembra da frase de Mosca diante do coche que levava Fabrício e Sanseverina: “Se a palavra Amor vier a surgir entre eles, estou perdido”. Sabe que ele é o homem que nomeia aquilo que ainda não foi nomeado, ou que não ousa dizer o próprio nome; sabe que faz “surgir” a palavra amor e a palavra ódio e, com elas, o amor e o ódio entre duas pessoas que não haviam ainda decidido sobre os seus sentimentos. Sabe que as palavras, como diz Brice-Parain, são “pistolas carregadas”. Quando fala, ele atira. Pode calar-se, mas uma vez que decidiu atirar é preciso que o faça como um homem, visando o alvo, e não como uma criança, ao acaso, fechando os olhos, só pelo prazer de ouvir os tiros. Tentaremos mais adiante determinar qual poderia ser o objeto da literatura. Mas desde já podemos concluir que o escri­tor decidiu desvendar o mundo e especialmente o homem para os outros homens, a fim de que estes assumam em face do objeto, assim posto a nu, a sua inteira responsabilidade.: Ninguém ·pode alegar ignorância da lei, pois existe um código e a lei é coisa escrita: a partir daí, você é livre para infrin­gi-la, mas sabe os riscos que corre. Do mesmo modo, a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e considerar-se inocente diante dele. E uma vez engajado no universo da linguagem, não pode nunca mais fingir que não sabe falar: quem entra no universo dos significados, não conse­gue mais sair; deixemos as palavras se organizarem em liberdade, e elas formarão frases, e cada frase contém a linguagem toda e remete a todo o universo; o próprio silêncio se define em relação às palavras, assim como a pausa, em música, ga nha o seu sentido a partir dos grupos de notas que a circun­dam. Esse silêncio é um momento da linguagem; calar-se não é ficar mudo, é recusar-se a falar- logo, ainda é falar. Portan­to, se um escritor decidiu calar-se diante de determinado as­ pecto do mundo, ou, como diz uma locução corrente, particularmente expressiva, decidiu deixar passar em silêncio, é legítimo propor-lhe uma terceira questão: por que você falou disso e não daquilo, e já que você fala para mudar, por que deseja mudar isso e não aquilo?

Nada disso impede que haja a maneira de escrever. Ninguém é escritor por haver decidido dizer certas coisas mas por haver decidido dizê-las de determinado modo. E o estilo, decerto, é o que determina o valor da prosa. Mas ele deve passar despercebido. Já que as palavras são transparentes e o olhar as atravessa, seria absurdo introduzir vidros opacos entre elas. A beleza aqui é apenas uma força suave e insensível. Sobre uma tela, ela explode de imediato; num livro ela se esconde, age por persuasão como o charme de uma voz ou de um rosto; não constrange, mas predispõe sem que se perceba, e acreditamos ceder a argumentos quando na verdade estamos sendo solicitados por um encanto que não se vê. A etiqueta da missa não é a fé, ela predispõe para a fé; a harmonia as palavras, sua beleza, o equilíbrio das frases predispõem as paixões do leitor, sem que este se dê conta, organizam-nas como faz a missa, como a música, como uma dança; se o leitor passa a considerá-las por elas mesmas, perde o sentido; restam apenas cadências tediosas. Na prosa, o prazer estético só é puro quando vem por acréscimo. É constrangedor lembrar aqui idéias tão simples, mas parece que hoje em dia elas foram esquecidas. Se assim não fosse, como viriam nos dizer que estamos premeditando o assassinato da literatura ou mais simplesmente, que o engajamento prejudica a arte de escrever? Se a contaminação de determinada prosa pela poesia não tivesse embaralhado as idéias dos nossos críticos, pensa­ riam eles em nos atacar quanto à forma, sendo que nunca falamos senão do conteúdo? Quanto à forma, não há nada a dizer de antemão e nada dissemos: cada um inventa a sua e só de­ pois é que se julga. É verdade que os temas sugerem o estilo, mas não o comandam: não há temas situados a priori fora da arte literária. O que pode haver de mais engajado, mais tedioso, do que o propósito de atacar a Companhia de Jesus? Pois Pascal fez com isso suas Provinciales [Provinciais]. Em suma, trata-se de saber a respeito de que se quer escrever: de borboletas ou da condição dos judeus. E quando já se sabe, resta decidir como se escreverá. Muitas vezes ocorre que as duas escolhas sejam uma só, mas jamais, nos bons autores, a segunda precede a primeira. Sei que Giraudoux dizia: “A única tarefa é encontrar o estilo; a idéia vem depois”. Mas ele estava enganado: a idéia não veio. Se os temas forem considerados como problemas sempre em aberto, como solicitações, expectativas, compreenderemos que a arte não perde nada com o engajamento; ao contrário. Assim como a física submete aos matemáticos novos problemas, que os obrigam a produzir uma simbologia nova, assim também as exigências sempre novas do social ou da metafísica obrigam o artista a descobrir uma nova língua e novas técnicas. Se não escrevemos mais como no século XVII, é porque a língua de Racine ou de Saint-Evremond não se presta para falar de locomotivas ou do proletariado. Depois disso, os puristas talvez nos proíbam de escrever sobre locomotivas. Mas a arte nunca esteve do lado dos puristas .

Se este é o princípio do engajamento, que objeções lhe poderão ser feitas? E, sobretudo, que objeções já lhe foram feitas? Parece que os meus adversários não estavam com muita disposição para a tarefa, e seus artigos não continham mais que um longo suspiro escandalizado, que se arrastava por duas ou três colunas. Gostaria de saber em. nome de quê, de qual concepção da literatura eles me condenavam; mas não o disseram, eles mesmos não sabiam. O mais conseqüente teria sido basear seu veredicto na velha teoria da arte pela arte. Mas nenhum deles aceitaria. É uma teoria igualmente incômoda. Sabe-se que arte pura e arte vazia são a mesma coisa, e que o purismo estético foi apenas uma brilhante manobra defensiva dos burgueses do século passado, que achavam melhor ser denunciados como filisteus do que como exploradores. É preciso, pois – e eles próprios o reconhecem -, que o escritor fale de alguma coisa. Mas de quê? Creio que o seu embaraço se­ ria extremo se Fernandez não tivesse encontrado para eles, após a Primeira Guerra, a noção de mensagem. O escritor de hoje, dizem eles, não deve em caso algum ocupar-se das coisas temporais; não deve tampouco alinhar palavras sem significado, nem procurar apenas a beleza das frases e das imagens: a sua função é passar mensagens aos seus leitores. Que vem a ser, então, uma mensagem?

É preciso lembrar que a maioria dos críticos são homens que não tiveram muita sorte na vida, e que quando já estavam à beira do desespero, encontraram um lugarzinho tranqüilo como guarda de cemitério. Deus sabe quanto os cemitérios são tranqüilos: não existem mais ridentes que uma biblioteca. Os mortos lá estão: nada mais fizeram senão escrever, há muito tempo estão lavados do pecado de viver, c, ele resto, só conhecemos as suas vidas através de outros livros que outros mortos escreveram a seu respeito. Rimbaud está morto. Mortos Paterne Berrichon e Isabelle Rimbaud; os importunos desapareceram, só restam pequenos ataúdes dispostos sobre tábuas ao longo dos muros, como as urnas de um columbário. O crítico vive mal; sua mulher não o aprecia como seria de se desejar, seus filhos são ingratos, os fins de mês são .difíceis. Mas ele ainda pode entrar em sua biblioteca, apanhar um livro na estante e abri-lo. Do livro escapa um leve odor de porão, e tem início, então uma estranha operação que ele decidiu chamar de leitura. Por um lado, é uma possessão; empresta-se o corpo aos mortos para que possam reviver. Por outro, é um contato com o além. De fato, o livro não é um objeto, tampouco um ato, nem sequer um pensamento: escrito por um morto acerca de coisas mortas, não tem mais nenhum lugar nesta terra, não fala de nada que nos interesse diretamente; entregue a si mesmo, ele se encarquilha e desmorona, não restam mais que manchas de tinta sobre o papel embolorado, e quando o crítico reanima essas manchas, transformando-as em letras e palavras, estas lhe falam de paixões que ele não sente, de cóleras sem objeto, de temores e esperanças defuntas. É todo um mundo desencarnado que o rodeia, um mundo em que as afeições humanas, como não comovem mais, passaram à categoria de afeições exemplares, em suma, de valores. As­ sim ele se convence de haver entrado em contato com um mundo inteligível que é como que a verdade e a razão de ser dos seus sofrimentos cotidianos. Acredita que a natureza imita a arte, como para Platão o mundo sensível imitava o dos arquétipos. E enquanto lê, sua vida cotidiana se torna aparência. Aparência sua mulher rabugenta, aparência seu filho corcunda: e que serão salvas porque Xenofonte descreveu Xantipa, e Shakespeare retratou Ricardo III. É uma festa para ele quando os autores contemporâneos lhe fazem o favor de morrer: seus livros, muito crus, muito vivos, muito exigentes, passam para a outra margem, emocionam cada vez menos e se tornam cada vez mais belos: após uma breve temporada no purgatório, irão povoar o céu inteligível de novos valores. Berotte, Swann, Siegfried, Bella e Monsieur Teste: eis algumas aquisições recentes. Aguardam-se Nathanael e Ménalque. Quanto aos escritores que se obstinam em viver, pede-se apenas que não se agitem demasiado, e que se empenhem desde já tem se parecer com os mortos que futuramente serão. Valéry saiu-se bastante bem, pois vinha publicando livros póstumos há vinte e cinco anos. Eis por que, como acontece com alguns santos de fato excepcionais, foi canonizado em vida. Mas Malraux escandaliza. Nossos críticos são como os hereges cátaros: não querem ter nada a ver com o mundo real, salvo comer e beber, e já que é imperiosamente necessário conviver com os nossos semelhantes, decidiram fazê-lo com os defuntos. Só se apaixonam pelos assuntos arquivados, pelas questões fecha-las, pelas histórias de que já se conhece o fim. Nunca apostam 11um desfecho incerto, e como a história decidiu por eles, como os objetos que aterrorizavam ou indignavam os autores lidos por eles já desapareceram, como a dois séculos de distância a vaidade das disputas sangrentas aparece com clareza, podem encantar-se com a cadência das frases, e tudo se passa, a seus olhos, como se toda a literatura fosse apenas uma vasta tautologia e cada novo prosador tivesse inventado uma nova maneira de falar para não dizer nada. Falar dos arquétipos, e da “natureza humana”, falar para não dizer nada? Todas as concepções dos nossos críticos oscilam entre essas duas idéias. Naturalmente, ambas são falsas: os grandes escritores queriam destruir, edificar, demonstrar. Mas nós não guardamos as provas que apresentaram, porque não nos preocupamos com o que eles quiseram provar. Os abusos que denunciaram não são mais do nosso tempo; hoje há outros que nos indignam e que eles nem sequer imaginavam; a história desmentiu algumas de suas previsões, e aquelas que se realizaram se tornaram verdadeiras há tanto tempo que já nos esquecemos de que foram, antes, traços do seu gênio; alguns dos seus pensamentos estão inteiramente mortos, e há outros que o gênero humano inteiro assimilou e que agora tomamos como lugares-comuns. Segue-se que os melhores argumentos desses autores perderam a sua eficácia; hoje admiramos apenas a sua ordem e o seu rigor; por mais bem estruturados que sejam, para nós não passam de ornamento, uma arquitetura elegante da demonstração, sem mais aplicação prática do que a arquitetura das fugas de Bach ou dos arabescos de Alhambra.

Nessas geometrias apaixonadas, quando a geometria não convence mais, a paixão ainda comove. Ou antes, a representação da paixão. As idéias se tornaram insossas ao longo dos séculos, mas permanecem como pequenas obstinações pessoais de um homem que foi de carne e osso; por trás das razões da razão, que esmaecem, percebemos as razões do coração, as virtudes, os vícios e essa grande dor que os homens têm de viver. Sade fez tudo para nos convencer e, quando muito, consegue nos escandalizar: não é mais que uma alma corroída por um belo mal, uma ostra que produz pérolas. A Lettre sur les spectacles [Carta sobre os espetáculos] não dissuade mais ninguém de ir ao teatro, mas achamos divertido saber que Rousseau detestava a arte dramática. Se formos um pouco versados em psicanálise, nosso prazer será perfeito: explicaremos Du contrat social [Do contrato social] pelo complexo de Édipo e L ‘esprit des lois [O espírito das leis] pelo complexo de inferioridade; isto é, desfrutaremos plenamente da reconhecida superioridade que os cães vivos têm sobre os leões mortos. Assim, quando um livro apresenta pensamentos inebriantes que oferecem a aparência de razões só para se dissolverem sob o nosso olhar e se reduzirem às batidas do coração, quando o ensinamento que se pode extrair dele é radicalmente diferente daquele que o autor quis dar, chama-se a esse livro mensagem. Tanto Rousseau. pai da Revolução Francesa, como Gobineau, pai do racismo, nos enviaram mensagens. E o crítico as considera com igual simpatia. Fossem vivos, ele teria de optar por um contra o outro, amar a um, odiar o outro. Mas o que os aproxima, antes de mais nada, é que eles compartilham ele um mesmo defeito, profundo e delicioso: ambos estão mortos.

Assim, deve-se recomendar aos autores contemporâneos que passem mensagens, isto é, que limitem voluntariamente seus escritos à expressão involuntária de suas almas. Digo in voluntária porque os mortos, de Montaigne a Rimbaud, pintaram a si mesmos por inteiro, mas não intencionalmente e como por acréscimo; justamente isso que nos legaram a mais, sem querer, é que deve constituir o fim primordial e confesso dos escritores vivos. Não se exige deles que nos entreguem confissões sem retoques, nem que se abandonem ao lirismo demasiado nu dos românticos. Mas já que temos prazer em desarmar as artimanhas de Chateaubriand ou de Rousseau, em surpreendê-los na sua privacidade no mesmo momento em que se fazem de homens públicos, em deslindar as causas particulares de suas afirmações mais universais, pede-se aos recém-chegados que nos proporcionem deliberadamente esse mesmo prazer. Que raciocinem, pois, que afirmem, neguem. refutem e provem; mas a causa que defendem deve ser apenas a finalidade aparente dos seus discursos: a finalidade pro funda é entregar-se sem o aparentar. Quanto a seus raciocínios, é preciso que eles primeiro os desarmem, como fez o tempo em relação aos clássicos; que os apliquem a assuntos que não interessam a ninguém, ou a verdades tão gerais que os leitores já estejam convencidos delas antecipadamente; quanto a suas idéias, devem dar a elas um ar de profundidade. mas vazio, e formá-las de tal maneira que elas se expliquem, evidentemente, por uma infância infeliz, um ódio de classe ou um amor incestuoso. Que não se atrevam a pensar de verdade: o pensamento esconde o homem, e é só o homem que nos interessa. Um soluço totalmente nu não é belo; ele ofende. Um bom raciocínio também ofende, como Stendhal bem percebeu. Mas um raciocínio que oculta um soluço, eis o que nos interessa. O raciocínio tira das lágrimas o que estas têm de obsceno; as lágrimas, revelando a sua origem passional, tiram do raciocínio o que ele tem de agressivo; não ficaremos muito comovidos, nem de todo convencidos, e poderemos entregar-nos com segurança àquela voluptuosidade moderada que, como todos sabem, é proporcionada pela contemplação das obras de arte. Tal é, pois, a “verdadeira” e “pura” literatura: uma subjetividade que se entrega sob a aparência ele objetividade, um discurso tão curiosamente engendrado que equivale ao silêncio; um pensamento que se contesta a si mesmo, uma Razão que é apenas a máscara da loucura, um Eterno que dá a entender que é apenas um momento ele História. um momento histórico que, pelos aspectos ocultos que revela, remete ele súbito ao homem eterno; um perpétuo ensinamento, mas que se dá contra a vontade expressa daqueles que ensinam.

Enfim, a mensagem é uma alma feita objeto. Uma alma; e o que fazer com uma alma? Nós a contemplamos a uma distância respeitosa. Não temos o costume ele exibir nossa alma em sociedade sem um motivo imperioso. Mas, por convenção e com algumas reservas, é permitido a algumas pessoas colocar sua alma em circulação, e qualquer adulto pode adquiri-la. Assim, hoje, para muitas pessoas, as obras do espírito são pequenas almas errantes que se podem adquirir por preço módico: há aquela do bom e velho Montaigne, a elo caro La Fontaine; a ele Jean-Jacques, a ele Jean-Paul e a elo delicioso Gérar. Chama-se arte literária ao conjunto de beneficiamentos que as tornam inofensivas. Curtidas, refinadas, quimicamente tratadas, elas fornecem aos seu compradores a oportunidade ele consagrar à cultura subjetividade alguns momentos de uma vida inteiramente voltada para o exterior. Pode-se utilizá-las sem perigo: quem levará a sério o ceticismo ele Montaigne, já que o autor dos Essais [Ensaios] sentiu medo quando a peste devastava Bordeaux? E o humanismo de Rousseau, sabendo que “Jean-Jacques” colocou seus filhos num orfanato? E as estranhas revelações de Sylvie [Sílvia], uma vez que Gérard de Nerval era louco? Quando muito, o crítico profissional estabelecerá entre eles diálogos infernais e nos ensinará que o pensamento francês é uma perpétua   conversação entre Pascal e Montaigne. Com isso, a sua intenção não é tornar Pascal e Montaigne mais vivos, mas sim Malraux e Gide mais mortos. Quando, enfim, as contradições internas ela vida e da obra tornarem ambas inutilizáveis, quando a mensagem, em sua profundidade indecifrável, nos tiver ensinado estas verdades capitais: “o homem não é bom nem mau”, “há muito sofrimento numa viela humana”, “o gênio é só questão de uma longa paciência”- então o fim último dessa culinária fúnebre será atingido, e o leitor, repousando seu livro, poderá exclamar, com a alma tranqüila: “Tudo isso não passa ele literatura”.

Mas uma vez que, para nós, um escrito é uma empreita­ da, uma vez que os escritores estão vivos, antes ele morrerem, uma vez que pensamos ser preciso acertar em nossos livros, e que, mesmo que mais tarde os séculos nos contradigam, isso não é motivo para nos refutarem por antecipação, uma vez que acreditamos que o escritor eleve engajar-se inteiramente nas suas obras, e não como uma passividade abjeta, colocando em primeiro plano os seus vícios, as suas desventuras e as suas fraquezas, mas sim como uma vontade decidida, como uma escolha, com esse total empenho em viver que constitui cada um ele nós – então convém retomar este problema desde o início e nos perguntarmos, por nossa vez, por que se escreve?

Notas

1 Ao menos em geral. A grandeza e o erro de Klee residem na sua tentativa de fazer uma pintura que seja ao mesmo tempo signo e objeto.
2 Digo “criar” e não “imitar”, o que basta para reduzir a nada todo o patético do sr. Charles Estienne, que evidentemente não compreendeu nada do meu propósito e teima em atacar as sombras.
3 É o exemplo citado por Bataille em L ‘expérience intérieure [A experiên­cia interior].
4 Caso se queira conhecer a origem dessa atitude em relação à linguagem, darei aqui algumas breves indicações. Originalmente a poesia cria o mi­ to do homem, enquanto o prosador traça o seu retrato. Na realidade, o ato humano, comandado pelas necessidades, solicitado pelo útil, é. em certo sentido. um meio. Como tal, passa despercebido, e é o resulta­ do que conta: quando estendo a mão para apanhar a caneta, tenho ape­nas uma consciência fugidia e obscura do meu gesto: o que vejo é a ca­neta. Assim, o homem é alienado pelos seus fins. A poesia inverte a re­lação: o mundo e as coisas passam para o inessencial, convertem-se em pretexto para o ato, que se torna o seu próprio fim. O vaso existe para que a jovem faça o gesto gracioso de enchê-lo; a guerra de Troia, para que Heitor e Aquiles travem esse combate heroico. A ação, desli­gada dos seus fins, que vão se atenuando, torna-se proeza ou dança. Contudo, por indiferente que seja ao sucesso elo empreendimento, o poe­ta, antes do século XIX, mantém-se em acordo com a sociedade em seu conjunto; ele não usa a linguagem com a finalidade visada pela pro­sa, mas deposita nela a mesma confiança elo prosador.

Após o advento da sociedade burguesa, o poeta faz frente comum com o prosador e a declara insuportável. Para ele, trata-se ainda de criar o mito elo homem, mas passa da magia branca para a magia ne­gra. O homem continua sendo apresentado como o fim absoluto, porém alcançando êxito no seu empreendimento, ele se atola numa coletivida­de utilitária. Aquilo que no seu ato está em segundo plano, e que per­mitirá a passagem ao mito, não é. portanto, o sucesso, mas o fracasso.

Somente o fracasso, interrompendo como uma parede a série infinita elos seus projetos, o devolve a si mesmo, em sua pureza. O mundo per­manece inessencial, mas continua presente; agora, como pretexto pa­ra a derrota. A finalidade da coisa é devolver o homem a si mesmo, barrando-lhe o caminho. Não se trata, aliás, de introduzir arbitrariamen­te a derrota e, a ruína no curso elo mundo, mas antes ele só ter olhos pa­ra elas. A empresa humana tem duas faces: é ao mesmo tempo êxito e úicá so. Para pensá-la, o esquema dialético é insuficiente: é preciso tornar ainda mais flexível o nosso vocabulário e as estruturas da nos­ sa razão. Tentarei qualquer dia descrever essa estranha realidade, a História, que não é nem objetiva, nem jamais absolutamente subjetiva, em que a dialética é contestada, penetrada, corroída por uma espécie de antidialética, que no entanto segue sendo dialética. Mas essa tarefa é elo filósofo: normalmente não se consideram as duas faces de Jano; o homem de ação vê uma e o poeta vê a outra. Quando os instrumen­ tos estão quebrados, fora de uso, os planos frustrados, os esforços inú­teis, o mundo aparece com um frescor infantil e terrível, sem pontos de apoio, sem caminhos. Ele tem aí o máximo ele realidade porque é es­ magador para o homem, e, como a ação de qualquer modo generaliza. a derrota confere às coisas sua realidade individual. Mas, por uma in­ versão prevista, o fracasso considerado como fim derradeiro é ao mes­mo tempo contestação e apropriação desse universo. Contestação por­ que o homem vale mais do que aquilo que o esmaga; ele não contesta mais as coisas em seu “pouco ele realidade”, como o engenheiro ou o capitão, mas, ao contrário, em seu excesso de realíclacle, exatamente por sua condição de vencido; o homem é o remorso do mundo. Apropriação porque o mundo, deixando de ser instrumento do êxito, torna-se instru­mento do fracasso. Ei-lo percorrido por uma obscura finalidade; o mun­do passa a servir por seu coeficiente de adversidade: tanto mais huma­no quanto mais hostil ao homem. O fracasso se transforma em salvação. Não que nos dê acesso a algum plano do além: por si mesmo, ele osci­la e se metamorfoseia. Por exemplo, a linguagem poética surge das ruí­nas da prosa. Se é verdade que a palavra é uma traição é que a comu­nicação é impossível, então cada vocábulo, por si só, retoma sua indivi­dualidade torna-se instrumento da nossa derrota e receptador do inco­municável. Não que exista outra coisa a comunicar; é que, tendo malo­grado a comunicação da prosa, é o próprio sentido da palavra que se torna o puro incomunicável. Assim, o fracasso da comunicação se tor­na sugestão do incomunicável; e o projeto de utilizar as palavras, con­trariado, dá lugar à pura intuição desinteressada da fala. Assim, volta­mos a encontrar a descrição ensaiada na apresentação desta obra, mas ago­ra sob a perspectiva mais geral da valorização absoluta elo fracasso, que me parece ser a atitude original da poesia contemporânea. Note-se também que essa escolha confere ao poeta uma função muito precisa na coletividade: numa sociedade muito integrada ou religiosa, o fracasso é mascarado pelo Estado ou resgatado pela Religião; numa sociedade menos integrada e laica, como são as nossas democracias, cabe à poesia resgatá-lo.

A poesia é um quem perde ganha. E o poeta autêntico escolhe perder a ponto de morrer para ganhar. Repito que se trata da poesia contemporânea; a história apresenta outras formas de poesia. Meu objetivo não é mostrar os vínculos entre essas outras formas e a nossa. Por tanto, se se deseja realmente falar do engajamento do poeta, digamos que ele é o homem que se empenha em perder. É o sentido profundo desse azar, dessa maldição que ele sempre reivindica e que sempre atribui a uma intervenção do exterior, quando na verdade é a sua escolha mais profunda – não a conseqüência, mas a própria fonte da sua poesia. Ele tem certeza do fracasso total da empresa humana e dá um jeito de malograr na sua própria vida, a fim de testemunhar, por sua derrota particular, a derrota humana em geral. Ele contesta, pois, comoveremos, assim como faz o prosador. Mas a contestação da prosa se faz em nome de um êxito maior, e a da poesia em nome da derrota oculta que toda vitória traz consigo.
5 É claro que em toda poesia está presente uma certa forma de prosa, isto é, de êxito; e reciprocamente, a prosa mais seca encerra sempre um pouco de poesia, isto é, certa forma de fracasso: nenhum prosador, mesmo o mais lúcido, entende plenamente o que quer dizer; ou diz demais, ou não diz o suficiente, cada frase é um desafio, um risco assumido; quanto mais se vacila, mais a palavra se singulariza; ninguém, como mostrou Valéry, consegue compreender uma palavra até o fundo. Assim, cada palavra é empregada simultaneamente por seu sentido claro e social e por certas ressonâncias obscuras; eu quase diria: por sua fisionomia. É exatamente a isso que também o leitor é sensível. E já não estamos mais no plano da comunicação concertada, mas no da graça e do acaso; os silêncios da prosa são poéticos porque marcam seus limites, e é por uma questão de clareza que escolhi os casos extremos da pura prosa e da poesia pura. Não se deveria concluir, porém, que se pode passar da poesia à prosa por uma série contínua de formas intermediárias. Se o prosador cultiva demasiadamente as palavras, o ei­dos “prosa” se rompe e caímos numa algaravia incompreensível. Se o poeta narra, explica ou ensina, a poesia se torna prosaica; ele perdeu a partida. Trata-se de estruturas complexas, impuras mas bem delimitadas.

*Publicado originalmente em: SARTRE, J-P. Qu’est-ce que la littérature?. Paris: Galimard, 1948. A versão do texto em língua portuguesa foi traduzido por Carlos Felipe Moisés, sendo publicado e reimpresso pela Editora Ática no ano de 2004.

Fonte: Territórios de Filosofia

Nenhum comentário:

Postar um comentário